Guia da Semana

Existe um personagem do showbusiness que se chama tour manager. Sua função é fazer com que a turnê funcione da maneira planejada, dentro e fora dos palcos, garantindo os hotéis solicitados, chegada aos aeroportos na hora certa, passagens de som suaves e rápidas e a entrada discreta, pela porta dos fundos, nas casas de strip tease que as bandas de heavy metal européias tanto apreciam. Ele tem também que viajar junto, fazendo todo o trabalho chato que a banda ou DJ não quer (e não sabe) fazer.

Essa figura precisa garantir que o stage manager (outro guerreiro) forneça tudo aquilo que os artistas pedem. Eu já trabalhei como tour manager em algumas ocasiões. Duas lições valiosas que aprendi nesta dura vida: cortinas de hotel pegam mais fogo do que nitroglicerina aquecida na panela de pressão e sempre peça duas chaves de cada quarto de hotel em que seu artista fizer check in, ficando com uma delas. Não existe santo no mundo que faça um DJ ou um músico acordar de manhã para pegar avião. Rádio relógio, alarme de celular, alarme de incêndio, extintor de incêndio de gás carbônico... não funcionam.

Conheci um belga que usava uma máquina de dar choque da polícia montada para acordar os membros mais dorminhocos da banda com que trabalhava. Segundo ele " todos aqui acordam mal humorados, menos eu".

Eu devo ter algumas dúzias de amigos que são tour managers. Um mega amigo meu era o tour manager do Mister M, aquele da máscara que estragava a graça dos truques mais manjados em rede nacional, aos domingos. Aparentemente, depois de ficar meio em baixa, o mexicano saiu pelo mundo fazendo suas estripulias ao vivo.

Este meu amigo contou que uma vez a equipe do mágico precisou trocar de técnico de efeitos especiais durante uma turnê. Essa nova pessoa tinha uma importante tarefa junto às performances do gordinho de capa, bota e máscara: ele era o responsável pela pólvora.

O novo cara dos efeitos especias tinha muita vontade de evoluir em seu trabalho e se destacar no meio ilusionístico. Ele tentou caprichar em sua primeira tarefa, porém, aparentemente, tinha um pequeno problema com álcool e não era exatamente para fazer a limpeza dos equipamentos...

O novo pirotécnico conseguiu promover uma explosão tão forte que uma tampa de alumínio que cobria seu velho corpo de "cucaratcha", numa espécie de sarcófago, se retorceu de tal forma que o número teve que ficar fora do show até uma nova tampa chegar. Realmente, se seu trabalho é mexer com pólvora é melhor ficar longe do álcool. Talvez este pequeno incidente seja um dos motivos que levaram o moço a demorar tanto tempo para tirar a máscara e mostrar a cara. Nem precisava. Eca.

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Chemical Brothers

Tour manager de DJ não tem contato com pólvora. À noite, eles ficam comportados e não costumam colocar fogo nas coisas. No show do Chemical Brothers daqui de São Paulo eu estava sentado no canto do palco ao lado do tour manager deles, a uns sete metros de distância da dupla tocando. Visivelmente irritado com qualquer coisa que se movesse ou respirasse ao seu redor, o tour manager me olhava fixamente toda vez que eu me aproximava de uma pequena caixa de isopor amarela, novinha em folha, com várias cervejas geladas em seu interior. Seu instinto não poderia estar mais correto: a sete metros dos Chemical Brothers, feliz como um coelho preso na cozinha de um restaurante vegetariano, tudo o que eu queria na minha vida era pegar uma garrafinha daquela caixa. Eu não estava mais trabalhando e o drinque seria uma cortesia dos meus ídolos.

Fui meio de bobeira, fingindo que não estava pensando nela e aos poucos me sentei ao lado da caixa. Ele me olhou com uma certa dose de fúria nos olhos e disse: " No beer here for you mate" (em português: sem cervejas para você aqui, compadre). Eu concordei, fingi auto-confiança e continuei escutando a música. O que aconteceu a seguir se passou em câmera lenta diante dos meus olhos. Ao terminar de falar comigo, ele se virou, começou a chegar perto da caixa dando passos para trás com os braços cruzados nas costas e, subitamente, para a minha total surpresa, começou a se abaixar para se sentar na caixa de isopor. O cara não só explodiu a caixa de isopor como também começou a cair para trás, escorregando por cima de uma pilha de gelo e garrafas, levantando as pernas para o alto, desequilibrado. Ele ia cair de cima do palco, de costas, numa cambalhota ridícula para trás, dentro do fosso do estádio do Pacaembu!

Como fui escoteiro, fiz primeira comunhão e queria fazer uma média com o cara, rapidamente o segurei pela canela e puxei a metade de seu corpo que pendia para fora. Aliviado e muito sem graça, ele me agradeceu bastante, gaguejando um pouco, e me disse que eu podia tomar quantas cervejas quisesse. Separando a cerveja do gelo e dos pedaços de isopor espalhados pelo piso, eu me sentei mais para o lado, tomei um gole com sabor de vitória e pensei: " ainda bem que essa caixa não é da equipe do Mister M.

Leia a coluna anterior de Tiago Candiani:
  • O lado B do palco: o colunista conta como é trabalhar nos bastidores de festas e shows.


    Quem é o colunista: Tiago Candiani, Paulistano, Produtor, músico e assessor de imprensa.
    O que faz: Assessor de imprensa do Iggor Cavalera, DJ Marky, Renato Cohen e mais 50 DJs, produtor artístico do Skol Beats e mais alguns eventos.
    Pecado gastronômico: Fraldinha com alecrim e alho poró na chapa que faz na varanda de sua casa em Cananéia ou o meio quilo de salmão cru que transforma em sashimi e come com umas três garrafas de cerveja belga.
    Melhor lugar do Brasil: Ilha do Marujá com os melhores amigos no verão.
    Fale com ele: [email protected]
  • Atualizado em 6 Set 2011.