Por Juliana Farano
Secretaria de Cultura de São Paulo |
Os primórdios da Avenida Ipiranga |
" E foste um difícil começo
afasto o que não conheço
e quem vem de outro sonho feliz de cidade
aprende de pressa a chamar-te de realidade
porque és o avesso do avesso do avesso do avesso"
(Caetano Veloso, em Sampa)
A cidade faz aniversário. Terra da garoa, onde o pôr do sol avermelhado, provocado pela poluição excessiva, é quase que um colírio para os olhos. Lugar onde a noite é comemorada, bebida, badalada e mal-dormida. Casa de gente como Mário de Andrade, Anita Malfatti, Ayrton Senna e Roberto Rivelino. É grande o bastante para abrigar as torcidas do Corinthians e do Palmeiras juntas, mas pequena demais para controlar o volume dos carros que circulam entre suas ruas. São Paulo, " o avesso do avesso do avesso do avesso", como já disse Caetano, completa 453 anos de vida no dia 25 de janeiro. Para brindar num estilo bem paulistano, nada melhor do que um bom boteco com os amigos.
Considerada um dos maiores pólos de atividades noturnas da América Latina, a cidade que dorme tão pouco quanto Nova Iorque, contabiliza um número vasto de bares, botecos e botequins. Segundo a Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), são quase 20.000 estabelecimentos do tipo.
Lugares inaugurados há 30, 40, 50 anos. Casas que começaram como quitandas ou pequenas mercearias, que foram passando de geração para geração até se tornarem símbolo de uma cena que envolve coisas bem simples: uma mesa, cadeira, amigos, chope e petiscos. São para ambientes assim que as pessoas correm quando querem fugir do caos do trânsito, dos ônibus lotados, da sujeira das ruas, da chuva instável, do calor insuportável, de crateras no meio da rua e etc. São os refúgios das adversidades apresentadas pela metrópole.
O Guia da Semana conta a história dos dois bares mais antigos de São Paulo, segundo dados da Abrasel, e ainda dá a dica de outras opções tradicionais para comemorar o aniversário da cidade. Escolha uma e celebre!
Histórico
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O Bar Brahma de antigamente |
Um dos bares mais tradicionais da cidade fica bem no cruzamento das tais ruas citadas por Caetano. Em 1948, no mesmo prédio onde funcionou a Boate e Confeitaria Marabá, o alemão Henrique Hillebrecht inaugurou o Bar Brahma. Em pouco tempo, o local virou ponto de encontro de músicos, poetas, aspirantes a política, intelectuais, comunistas, artistas, entre outros. Gente de todo o tipo se reunia no número 677 da São João. Eles discutiam, argumentavam, riam, falavam, declamavam e, entre uma cerveja e outra, criavam tendências que acabaram influenciando, junto a outros fatores, o comportamento de toda uma geração.
A casa foi personagem da história de São Paulo. Entre as mesas, nomes célebres que naquela época eram jovens perdidos no anonimato da metrópole como Adoniran Barbosa, Jânio Quadros, Fernando Henrique Cardoso, Vicente Celestino, Ari Barroso, entre outros. No final da década de 60, com a repressão e a ditadura elevadas ao expoente máximo, o bar era tudo, menos um lugar para se "jogar conversa fora". Os papos por ali eram sérios e o local se tornou palco para as discussões políticas dos alunos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco.
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O Bar Brahma de hoje |
As décadas de 80 e 90 foram de decadência. Não só para o Bar Brahma, como para toda a região central da cidade. Algumas áreas dominadas pelo tráfico e consumo de drogas pesadas, como a conhecida "Cracolândia", por exemplo, foram alguns dos fatores determinantes para que as pessoas se afastem de vez dali. Os proprietários de todos os estabelecimentos sentiram na pele (e no bolso) o abandono. Em 1997, após uma breve reforma, a casa reabriu com o nome de São João 677. Porém, um ano depois, encerrou suas atividades.
O retorno, não por coincidência, aconteceu em 2001, época em que eclodiam os primeiros movimentos bem-sucedidos de revitalização do Centro de São Paulo. Segundo um dos sócios, Álvaro Aoar, o bar se tornou referência de cidadania: " É um ícone do Centro com vida em um momento em que os cidadãos precisam de referências vivas no Centro velho". Com um projeto arquitetônico de Marcelo Black e Sergio Pelegrini, que procurou restaurar manter a aura dos anos 50 no local, e com uma programação só de clássicos, como Cauby Peixoto, Demônios da Garoa, Jamelão, entre outros, o Bar Brahma voltou com tudo e hoje, além de opção de entretenimento noturno, virou ponto turístico.
Ainda para o primeiro semestre de 2007, a casa planeja finalizar o projeto Esquina da MPB. No local, a famosa e supra-citada esquina da música de Caetano, haverá um museu e uma calçada dedicada ao gênero musical. " A idéia é transformar a Ipiranga com a São João em um ponto turístico físico, não só musical", completa Álvaro.
Tradição
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Bar Léo: tradição e experiência |
Ele é do tempo em que era proibida a entrada de mocinhas desacompanhadas no local para evitar paqueras e confusões com possíveis pais enfurecidos. Lá, quem quiser chope sem colarinho é mandado para a padaria. Se pedir para misturar a bebida com outra coisa então, é considerado herege. Depois das 20h, quem não compareceu, perdeu! Ele fecha cedo. Aos sábados, às 16h. Antigamente, com donos corinthianos, dia de jogo do timão era sagrado. Assistir no bar? Nem pensar! A casa nem abria! Assim, com todos esses agradáveis "poréns", é o Bar Léo, quase que unanimidade quando o assunto é um chope bem tirado em São Paulo.
Inaugurado em 1940, o botequim que ocupa o número 100 da Rua Aurora tinha uma estrutura bem simples e só atendia as pessoas que viviam na redondeza. Elas saiam de suas casas trajando suas melhores roupas para ali, no estabelecimento que não tinha placa e nem nome, bater papo e beber alguma coisa. Pouco tempo depois da abertura, o bar foi vendido para um tal Senhor Leopoldo, mais conhecido, é claro, como Léo. Com a ajuda da esposa, ele inovou na cozinha e passou a servir refeições, o que fez com que conquistasse de vez o público. Com isso, o boteco se tornou referência e ganhou o nome pelo qual é chamado até hoje, dado pelos frequentadores.
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Um dos melhores chopes de São Paulo |
Em 1964, o bar passou para as mãos de outra pessoa: Hermes de Rosa, dono de uma mercearia próxima e figura fácil na casa. Quando se tornou proprietário, a primeira coisa que fez foi tornar oficial o nome Bar Léo. Depois, incrementou mais ainda as refeições, estabelecendo um cardápio fixo para o almoço que era servido durante a semana. Por último, fechou uma parceria com a Brahma, talvez a mais bem sucedida da história dos bares de Sampa. Desde então, o local segue servindo um dos melhores chopes da cidade.
Três dedos de colarinho, aproximadamente 5 cm de espuma, nem mais e nem menos. E ai de quem reclamar. E ninguém reclama mesmo. Tanto que o chope do Bar Léo já ganhou diversos prêmios. Para atingir esse resultado, a casa conta com um sistema de entrega e armazenamento especial. De manhã, chegam os barris. Antes de ir para o copo do freguês, o líquido passa por uma câmara fria e atravessa um pré-resfriador. Só aí, na temperatura de 0º C, é que o chopeiro que já está há mais de 15 anos na função, Joaquim Fernando Lopes Santos, pode exercer seu trabalho e tirar a bebida.
Em janeiro de 2003, Hermes de Rosa faleceu. Desde então, o Bar Léo está por conta de Dona Célia, sua esposa, e de Waldemar Pinto, que assumiu a gerência do local. Juntos, eles estão conseguindo manter as glórias e histórias do sexagenário estabelecimento.
Quer mais?
Há muito mais do que essas duas opções. Têm desde os encravados no Centro da cidade, até os localizados nos bairros nobres e residenciais. Os botequins dão o tom na noite de São Paulo. Alguns, como os dois exemplos acima, contabilizam anos e anos de balcão. Outros são mais novos, crias dos antigos, que se inspiraram no tradicionalismo do passado. Todos são típicos paulistanos e comemoram junto com a cidade seu 453º aniversário. Parabéns!
Cravado bem no meio da capital, o bairro da Freguesia do Ó ainda conserva ares de interior. Para os amantes da cerveja, o cardápio conta com vários rótulos, nacionais e importadas. Para acompanhar, a famosa coxinha de frango com catupiry. Funcionando 24 horas, de segunda a segunda, a lanchonete é um dos lugares mais tradicionais de São Paulo. Pratos feitos saem a qualquer horário da cozinha e o carro-chefe do boteco é o sanduíche de pernil. Por dia eles vendem mais de 700. Inaugurado em 1968, o bar serve um dos melhores chopes da cidade. As porções de lingüiça blumenal são as mais indicadas para acompanhar a bebida. Nas paredes, canecas presenteadas pelos clientes assíduos. Do mesmo proprietário do Bar Léo, a casa reúne o jeitinho brasileiro à tradição alemã. Uma opção de petisco é o eisbein (joelho de porco cozido servido com chucrute e batata cozida). Seu Luiz e Dona Idalina recebem pessoalmente os clientes em seu bar. A hospitalidade dos dois é o que mais vale destacar na casa. As cervejas sempre geladas podem ser combinadas com alguma das 30 opções do balcão de acepipes. Apesar do donos ser um casal de japonês e da casa servir também pratos orientais, o destaque do menu fica por conta do pastelzinho de carne. O bar é um dos mais tradicionais da Zona Sul. O chope da casa é conhecido na região de Moema desde a data de sua inauguração, no ano de 1976. O bar ainda conta com um Cigar Club e com música ao vivo, sempre a partir das 19h. Fanático por futebol, o proprietário são-paulino montou o bar em cima desse tema. Nas paredes, fotografias de jogadores autografadas, camisas e chuteiras. O que não falta são discussões acaloradas entre torcedores de times rivais, todas regadas a uma cerveja gelada. Com um endereço em Moema e outro no Itaim, a casa, apesar de ser relativamente nova, é toda inspirada nos antigos bares surgidos no início do século XX. O ambiente descontraído combina com chope Brahma e petiscos típicos de boteco. Esse é outro estabelecimento que se baseia na concepção dos bares de antigamente. O clima de boemia fica completa com muita bossa nova e samba de raiz tocando na casa. |
Atualizado em 6 Set 2011.