Foto: Getty Images |
Quase uma da manhã e a fila do clube Glória passa a academia vizinha. Até aqui, nada incomum para um sábado. A noite é de Chá com Bolachas, festa de música eletrônica dedicada ao público homossexual feminino. "Bolacha murcha não entra", brinca o slogan do projeto. Por incrível que pareça, as bolachas não eram maioria na calçada da boate. Meninas e meninos se amontoavam, rumo à porta da salvação naquela madrugada de vento gelado. Na sacada da igrejinha, os sortudos de roupa colorida e estilosa bebericavam drinques e pitavam cigarros. Enfim, uma festa bem-sucedida do circuito alternativo. Ponto.
O que se percebe é que o cenário noturno GLS já se incorporou à cena noturna no geral. Festa boa ou ruim. É essa a classificação que os atinge predominantemente. "Apesar de deixarmos explícito que a festa é para meninas, não queremos segmentá-la. Isso eu queria lá no começo, há cinco anos, porque na época não existia nada igual. Hoje, já não precisamos mais desses rótulos. A tendência é a cena GLS se misturar aos outros movimentos. Pelo menos é isso o que eu quero ver. A convivência com outros estilos de vida é bem mais interessante", explica Barbie da Silva, idealizadora, produtora e DJ da festa Chá com Bolachas.
Barbie conta que a idéia de organizar a festa surgiu num dia em que encontrou as amigas no Terra Madre Café, na Alameda Franca. "Eu tinha acabado de voltar de Nova Iorque e trouxe na bagagem as novidades da cena de lá. Electro clash e indie rock, por exemplo, era o que a gente queria ouvir e aqui em São Paulo não tinha festa que tocasse isso. O nome surgiu fácil, afinal éramos poucas, parecia um chá de amigas mesmo". Graças ao boca a boca e a distribuição dos criativos flyers, Barbie da Silva, Vertiginosa e equipe recebem hoje mais de 600 pessoas por edição.
Boca na botija
Flyer da primeira edição da Chá com Bolachas |
Pista, camarote e terraço lotados. Nos picapes, as residentes da Chá com Bolachas recebiam a DJ londrina Jojo de Freq - produtora das famosas festas Nag Nag Nag e Bugged Out - para um set auto-definido electro-electric-ecstasy. Homem com homem, mulher com mulher, homem com mulher. Todo mundo sacudia cabeça e outfits sem muita preocupação. "Sempre tem hetero em festa de lésbica, rola aquele negócio da fantasia, do fetiche de ficar com duas mulheres (risos)", conta Lucas Kanyo, 33, arquiteto. "Eu vim aqui pela festa, mas tanto faz se é de lésbica, de gay, de hetero. Eu gosto do Glória e aqui as pessoas são educadas no geral. Mas na Bolachas eu fico mais tranqüilo, porque o centro da atenção são elas e não eu (risos)".
Para a antropóloga Elisa Freitas, 24, há menos festas para meninas. "Eu acho que as festas para o público gay feminino e masculino são todas iguais, mas é perceptível que as das garotas são mais recalcadas...a raiz disso está na sociedade machista", explica. "A entrada mais cara para homem afugenta os rapazes", destaca Fernanda Heinz, 27, produtora de moda, que estava na casa com o namorado, Otávio Santos, 27, designer. "Tem homem que não respeita, acha que vai levar duas meninas pra casa. É com isso que as meninas se incomodam, com a falta de respeito. Por isso as festas delas são mais restritas", analisa Otávio.
Pista da Las Fufas: chame o amigo da amiga do fulano |
Em São Paulo, desde a Virada Cultural, a produtora artística carioca Aline Simão se impacta com a cena noturna lésbica em São Paulo. "O público feminino é mais retraído, algo que não acontece no Rio de Janeiro. Temos a Le Girl, por exemplo, mas as baladas gays masculinas são cheias de garotas que curtem garotas. Aqui não vejo muito disso", compara. "Acho que o que falta mesmo é divulgação. E não só na época da Parada, quando muitas pessoas fingem ter visão aberta das coisas. Parece que banalizou, a galera participa para beber. Isso só piora a visão que se tem do público GLS. A idéia inicial é mostrar que amor não tem sexo".
Apesar dos contratempos, as meninas não se inibem e mostram-se cada vez mais empenhadas em promover festas boas para dançar. Cláudia Guay, por exemplo, organiza a bimestral Las Fufas com a amiga Dri Mendonça há dois anos. "A intenção é deixar as pessoas bem à vontade, como se estivessem indo para a festa na casa de algum conhecido. Queremos que elas se sintam confortáveis para dançar, conhecer pessoas e se divertir, sem carão", explica Cláudia. "Hoje existem festas e baladas lésbicas para todos os gostos e estilos. Há mais de cinco anos tínhamos que freqüentar baladas "alternativas" para nos divertimos. Já não temos mais a preocupação de nos beijarmos no meio da pista e sermos incomodadas por algum homem hetero ou segurança. Não sei dizer como vai a cena gay em específico, mas meus amigos reclamam muito de clubs feitas para os "descamisados", e nessa falta, acabam freqüentando as Fufas", exemplifica.
"Só" para elas... Las Fufas Quando: final de junho - Arraia das Fufas, a festa junina das meninas Onde: Rua Lineu de Paula Machado, 758 (em frente ao Jockey Club) Preço: R$ 25,00; R$ 15,00 com nome na lista DJs residentes: não há; são sempre convidados Música: pop, house, disco, rock, anos 80 Site: lasfufas.blogspot.com Chá com Bolachas Quando: indefinido Onde: Clube Glória (saiba mais) Preço: M: R$ 40,00 (porta), R$ 30,00 (lista do site), R$ 20,00 (flyer); H: R$ 55,00 (porta), R$ 30,00 (lista do site) DJs residentes: Barbie da Silva, Chan, Aline Taleban e mais convidados Música: discopunk, electro, techno, minimal, electrolux, old 80´s e o que mais elas quiserem tocar Site: www.chacombolachas.com.br Studio Roxy Club Quando: quarta a domingo Onde: Rua Augusta, 430, Centro (saiba mais) Preço: M: R$ 30,00 a R$ 45,00; H: R$ 30,00 a R$ 60,00 DJs residentes: não há; são sempre convidados Música: eletrônica e bandas de rock Site: www.studioroxy.com.br Tète-à-Téte Quando: indefinido Onde: indefinido Preço: R$ 10,00 a R$ 30,00 DJs residentes: na maioria das vezes são convidados Música: rock, electro-rock, electro-clash, disco-punk, 80´s - 90´s - 00..s e dyke-set Site: www.fotolog.com/tete_a_tete Grupo Samba de Rainha Quando: aos domingos (exceto no dia 25 de maio) Onde: Vermont Itaim (saiba mais) Preço: M: R$ 10,00 e H: R$ 20,00 DJs residentes: nos intervalos Música: grupo de samba formado somente por mulheres Site: www.sambaderainha.com.br |
Atualizado em 6 Set 2011.