Um “road disco”, se me permitem a licença poética de pegar emprestado o conceito de roadmovies para aplicar em música. Ouvir o disco novo da Céu é se jogar por uma estrada que passa pelo Norte e Nordeste brasileiro, parar em bares chinfrins onde ainda imperam as clássicas jukeboxes, sentir o vento e a poeira de terra batida, ouvir o som de estação de rádio mal sintonizada e seguir para o sul da América Central.
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Em Caravana Sereia Bloom, o teclado jazzista cede lugar a um “tecladinho mais fuleiro”, como ela mesmo define, e toda a ginga africana é substituída pelo brega – forte influência do guitarrista Fernando Catatau, que ainda integra a sua banda. Tudo isso sem esquecer da pitada de malemolência, que tanto lhe é peculiar.
Em um apartamento iluminado na Zona Sul de São Paulo, Céu fala sobre seu terceiro álbum, produzido pelo marido Gui Amabis, e que conta com canções de Nelson Cavaquinho e Jorge Du Peixe.
Confira o bate-papo!
Tema do álbum: estrada
“Ele tem essa temática por conta de tantas viagens desde o primeiro disco. A estrada é um tema muito bonito, gostoso e glamouroso, mas também nada glamouroso e intenso. É difícil sair da zona de conforto e ir para outros lugares. Ainda mais para uma pessoa como eu que tenho uma vida comum, vou ao supermecado e levo minha filha na escola. É outra realidade paralela, mas muito desafiadora, então é um tema latente”.
Menos África e jazz, mais Brasil e fronteiras
“Percebi que estava muito influenciada por uma parte específica das músicas do Brasil, que é o Norte e o Nordeste e de como assimilamos essa mistura de música latina com a brasileira. Estava ouvindo a origem da lambada, o disco Lambada das Quebradas [de Mestre das Guitarradas], o brega de Alípio Martins e Eliane, a cumbia, ao mesmo tempo que ouvia o álbum da Nancy Sinatra, que fez muito sucesso nos anos 60 e tem uma pegada meio faroeste. Eu estava nesse lugar querendo falar de estrada e de repente tudo se afunilou nessa direção, por isso ficou com essa temática de bar de beira de estrada”.
O título do disco é uma homenagem ao filme Bye Bye Brasil
Uma canção, uma história, uma imagem
“Cada música tem um conto, um causo, a estrada tem muita imagem, né. Por isso, digo que é um disco imagético, ele é meio um cineminha. O “Asfalto e Sal”, por exemplo, é uma música que fala de ir e levar consigo as coisas que de fato importam, como memórias e amores. Já “Contravento” é do Lucas Santtana e do Gui Amabis e é sobre pegar uma carona, subir numa caminhonete e sentir aquela poeira e vento”.
Referências no cinema
“Muita influência cinematográfica, em todos os aspectos, inclusive nas trilhas de filmes e de roadmovies e cinema brasileiro, tem o Bye Bye Brasil que influenciou o nome [homenagem à Caravana Rolidei do filme], mas tem também o Karim [Aïnouz], do Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, um pouco do Sérgio Machado também, é um filme imagético de fato.
Vagarosa X Caravana Sereia Bloom
“É um disco mais empoeirado, se é que se pode dizer isso de música (risos). Talvez mais rápido e mais mundano, que fala de causos, contos e coisas comum a todos, enquanto que o Vagarosa é mais imerso no tema da maternidade que eu estava vivendo naquele momento”.
Letras de Nelson Cavaquinho e Jorge Du Peixe
“A música “Palhaço” do Nelson Cavaquinho tem tudo a ver com estrada. Chamei meu pai [o músico Edgar Poças] para tocar e ele entendeu totalmente quando disse que queria um palhaço em um clima meio Fellini. Ele fez uma valsa em vez do samba e o Gui [Amabis], que produziu, fez toda a parte de ruídos de cinema atrás, fique super contente com o resultado, pontuou o disco com respiro. A música do Jorge Du Peixe, “Chegar em mim” eu namoro desde o Vagarosa, mas ela não estava pronta, foi o Du Peixe quem terminou”.
3 vinhetas no disco
"A vinheta é como se você pegasse um diário e colasse os escritos num livro que depois você publica. É um rascunho que você mostra às pessoas, faço isso quando estou viajando. O Gui Amabis me incentivou a mostrar como era, sem muita produção. Tem uma faixa que é totalmente do Garage Band [software que permite criar músicas], que é o “Fffree”. E “Retrovisor” tem uma introdução que é bem simples mesmo para aproximar as pessoas do processo criativo.
Céu grava música de Caetano Veloso para álbum futuro
Pop
“Talvez o disco tenha ficado mais popular, mas não foi feito estrategicamente pensado nisso. Para mim, isso não faz sentido, se desconecta do valor da arte. Não que esteja desconsiderando quem faz um trabalho pop, acho demais quem faz pop que bomba. Isso é uma arte de fato, mas não é o que eu sei fazer. Eu adoro a Ivete Sangalo, por exemplo, o Roberto Carlos, agora de pop mais agressivo, tem o trabalho da Rihanna que acho muito bem feito e dançante, e tem até uma música da Britney Spears, “Toxic”, que acho incrível”.
Canções em inglês
“Queria uma música do Lucas Santtana e ele me trouxe uma em inglês, "Streets Bloom". Escrevi a vinheta “Fffree” e “You Won’t Regret it” é um rocksteady jamaicano [regravação de Lloyd Robinson e Glen Brown], por isso foi em inglês. Acho que o inglês também é musical e bom de cantar. No começo eu era mais rebelde e falava que não ia cantar em inglês, mas isso mudou”.
Céu canta Caetano Veloso
“Isso é uma novidade que ainda nem foi divulgada. Vai sair uma faixa que o Fernando Catatau produziu inteira minha cantando a música “Eclipse Oculto”, do Caetano Veloso para um disco que será lançado pela Universal, em homenagem ao Caetano. E a música ficou a cara do Catatau, eu adorei (risos)”!
Videoclipe “Retrovisor”
"Fiz um show em Recife e aproveitei essa paisagem meio beira de estrada com chão de terra batida, coloquei um neon e fizemos nossa performance. Queria passar o glamour dentro dessa estética, por isso estou com um vestido de paetê, mas com uma havaiana. Eu acho isso bonito, genuíno e simples, mas muito chique! E o Brasil tem muito disso, admiro essa estética. E aquela mulher andando ali, falando de desilusão amorosa e cantando num karaokê pode significar muita coisa. Eu acho que é intrigante e muito cinematográfica".
Formato do disco e download gratuito
“Disponibilizamos a música “Registro” para download, mas para mim ainda não dá para se desprender 100% do formato do CD. Sou muito apegada ao encarte e mais ainda ao vinil. Mas a minha filha talvez pegue um pen drive e baixe vários discos, o que não é ruim. Essa conversa é extremamente necessária, mas com responsabilidade, só isso que acho importante frisar. É bonito dar a sua música, mas ela também tem que ser encarada como uma profissão. É difícil fazer um disco, é caro e não existe mais investimento, já que as gravadoras faliram. Você pode achar legal baixar um disco, mas quando sai à noite deixa o carro num vallet que custa 30 reais. Tem uma inversão de valores que acho importante falar, mas é legal também baixar. Só estou tentando entender como vamos nos organizar pra que fique bom para todos os lados”.
Fotos: Marjorie Ribeiro
Confira o clipe da música "Retrovisor", do novo álbum Caravana Sereia Bloom
Por Marjorie Ribeiro
Atualizado em 11 Mai 2012.