Uma banda de rock'n' roll com a cara dos célebres conjuntos ingleses dos anos 60. Foi assim que a Cachorro Grande surgiu no cenário musical brasileiro. A forte influênca dos Beatles, Rolling Stones e The Who foi a responsável, inclusive, pelo nome do grupo, já que era uma verdadeira "briga de gigantes" escolher que faixas entrariam no repertório quando eles ainda não tinham composições próprias.
Enraizada nesse som britânico sessentista, a banda ganhou destaque em festivais independentes, foi apadrinhada por Lobão - que divulgou o segundo disco, As Primeiras Horas Serão Muito Boas, na revista Outra Coisa - até cair nas graças do público no Acústico MTV: Bandas Gaúchas, em 2005. Dali em diante, foi só colocar o pé na estrada para se consagrar nacionalmente e dividir o palco com nomes como Oasis, Aerosmith e Iggy Pop.
Depois de uma década do lançamento do primeiro álbum, a Cachorro Grande mostra que é possível criar uma sonoridade irreverente sem deixar de beber no rock dos anos 60 entrando no estúdio para gravar seu sexto disco, Baixo Augusta, que deve ser lançado em breve. Em entrevista ao Guia da Semana, o vocalista Beto Bruno, fala sobre as mudanças nesses dez anos e o novo trabalho, que conta com composições dos cincos integrantes e é produzido por ele e o guitarrista Marcelo Gross. Confira!
Guia da Semana: Há dez anos a Cachorro Grande gravava seu primeiro CD. Agora que vocês vão para o sexto, o que mudou de lá para cá?
Beto Bruno: É difícil pensar sobre isso quando tu estás dentro, sabe? Continuamos abraçados, tomando cerveja e dando risada um do outro. Pode ter mudado um pouco musicalmente, porque nesse meio tempo tocamos em muitos festivais, vimos muitas bandas que acabaram influenciando. Mas a natureza é a mesma, continuamos os mesmos bobões tomando cerveja por aí (risos).
Guia da Semana: A banda é do Rio Grande do Sul, que tem uma cena forte do rock'n' roll bem característica, e é possível identificar essa referência, principalmente, nos primeiros discos. Essa influência esteve mais presente no começo da carreira?
Beto Bruno: Fazemos um tipo de rock, e não quer dizer que é melhor ou pior do que outro, mas é um pouco simples e direto. Se eu pegar os primeiros discos, aqueles lá sim pareciam com tudo que a gente gostava na época e que ama até hoje. Dá para ver ali as influências das bandas inglesas dos anos 60, que chamávamos de garageiras, como The Who, Small Fakes, The Kinks, e é claro, Beatles e Rolling Stones, que nos mostraram todo o universo dos anos 60 e 70. Com o passar do tempo, isso foi mudando, mas não quer dizer que foi com a mudança para São Paulo, veio de dentro. Sentimos orgulho de ter mudado para São Paulo porque é a cidade de Os Mutantes e a gente se amarra na música dos anos 80, nos Titãs, Ultraje e Ira. Volta e meia encontramos eles por aqui, paramos para conversar, e isso é o maior barato! Esse era o som brasileiro que ouvíamos quando éramos criança. Então acabou misturando, e os últimos discos estão mais próximos do som que queríamos chegar e que a ainda procuramos chegar, que é o som da Cachorro Grande. Passar a ser mais nós mesmos sem deixar de ser influenciado, acho que todas as bandas procuram isso.
Foto: Divulgação
No CD novo, a banda inteira participou do processo de composição
Guia da Semana: Então o novo disco vai ter mais a cara da Cachorro Grande?
Beto Bruno: Tomara que sim, é o CD que estamos com mais carinho. Acho que pelo fato de eu e o Gross voltarmos a produzir, porque nós produzimos os primeiros, estamos depositando um carinho maior, procurando sonoridades que não conseguimos fazer nos outros. Eu sou muito fã de bandas que tentam mudar o som de um disco para o outro, que não tenham medo de mudar uma fórmula que esteja dando certo, como Os Mutantes e os Beatles. Claro que não estou querendo me pôr nesse patamar, mas sou muito fã disso. O David Bowie aparecia sempre com uma casca nova, um som que ainda não tinha usado. Isso mantém a música viva e deixa a banda viva, em vez de repetir uma fórmula para preservar os fãs.
Guia da Semana: E como foi o processo de composição?
Beto Bruno: O Rodolfo entrou no terceiro para o quarto disco e, como ele era compositor da banda dele, cobrei que ele não viesse só para substituir o baixista, mas que aparecesse com músicas e cantasse. E isso acendeu também o Pedro e o Gabriel, o baterista e o pianista. Então, hoje estão os cinco fazendo música. No início, era mais eu e o Gross numa parceria, sempre quisemos imitar aquela coisa Jagger e Richards, meio líder de banda, sabe? Mas os caras estão aparecendo com coisas fantásticas e quem está ganhando com isso são os discos. É um trabalho cada vez mais coletivo e com cara de banda, isso está mudando muito o som.
Guia da Semana: Quantas faixas entram nesse disco?
Beto Bruno: Temos 16 músicas e vamos lançar umas 13. Elas pintaram durante a turnê passada, não somos uma banda que pode se dar o luxo de dar um tempo para parar e compor. As nossas músicas aparecem quando estamos passando o som ou dentro do hotel sem fazer nada, acaba sendo tudo assim na loucura. De dois em dois anos nós queremos lançar disco, então elas veem na estrada. E agora que está todo mundo compondo está aparecendo muita música, daqui a pouco teremos que fazer um disco duplo (risos).
Guia da Semana: O primeiro CD foi produzido de forma independente, depois a banda foi para gravadora e agora vocês gravaram com a Trama Virtual. Como você vê essa evolução e essa trilhagem dentro e fora do independente?
Beto Bruno: É necessária. Quando tocávamos no cenário independente, e volta e meia ainda tocamos porque também não somos uma banda mainstream, eu sei da dificuldade que era. Morávamos os cinco juntos quando mudamos para São Paulo, em 2003. O segundo disco gravamos na garagem de um amigo nosso em Porto Alegre e conseguir grana para pagar as gravações foi a coisa mais difícil do mundo. Se continuássemos mais tempo daquele jeito estaríamos um puto com o outro, não somos mais aqueles menininhos de 20 anos, cada um tem 35 anos, não dá para morar junto e tal.
Foto: Cisco Vasques
Beto Bruno (ao centro e embaixo) e Marcelo Gross (ponta esquerda) são os responsáveis pela produção do novo disco
Guia da Semana: Mas você vê diferença na produção que foi independente comparada com a gravadora, no quesito liberdade musical?
Beto Bruno: Nós nunca vamos abrir mão de cuidar do nosso lado musical, quando assinamos com a Deck, deixamos claro que queríamos continuar com a nossa liberdade musical, com a nossa sociedade criativa e mantivemos isso. E eu era tão de esquerda na época que se não rolasse isso eu ia mandar todo mundo tomar no cu! (risos) Hoje em dia, eu sei que posso entrar numa gravadora e fazer meu som.
Guia da Semana: Vocês tocam até hoje em festivais independentes ao mesmo tempo em que já fizeram shows grandes no mesmo palco que Oasis, Aerosmith...
Beto Bruno: É muito louco isso, fizemos o Ceará Music e no outro ano voltamos para um festival independente, e isso é muito bom, não fecha porta nenhuma. Quando fizemos tour com o Oasis, no outro fim de semana tocamos num clubinho para mil pessoas, abrimos show do Aerosmith e semanas antes tocamos para 500 pessoas em Jaú. É sensacional, são poucas as bandas que podem transitar tanto no underground quanto no mainstream e isso mantém a gente na estrada. E eu não vou dizer que a cena do underground ou do mainstream é melhor. Rola uma glamorização do underground quando dizem que as bandas não se renderam e quem disse que as do mainstream se venderam? Na verdade, é o público quem comprou, e também não quer dizer que seja melhor que as outras. Ao mesmo tempo, claro, tem muitas bandas boas ali que mereciam ter espaço na mídia.
Guia da Semana: Nesses dez anos, quais foram os shows memoráveis na carreira da banda?
Beto Bruno: O primeiro show em São Paulo, que sentimos a necessidade de morar aqui e que rolou um lance muito forte com o público, no festival Upload, em 2003 para 2004. O show da Virada Cultural no centro de São Paulo; a turnê com o Oasis foi algo que até hoje não caí na real, porque eu amo essa banda e foi um absurdo; o Claro Que é Rock com o Iggy Pop e Nine Inch Nails e o show com Supergrass.
Guia da Semana: Você falou do rock inglês dos anos 60, mas eu gostaria de saber o que você tem ouvido hoje em dia e que tem servido como novas referências?
Beto Bruno: Kassabian, estou também lendo o livro do Bowie e fui mexer nos meus discos dele que estavam guardados. Voltei a ouvir Bowie desesperadamente e lembrei a importância que ele tem na minha vida. Estou também esperando muito o disco do Gaz Coombes, o ex-vocalista do Supergrass, que está gravando disco solo e, para mim, tudo o que esse cara põe a mão vira ouro.
Por Marjorie Ribeiro
Atualizado em 1 Dez 2011.