Por Marjorie Ribeiro
Quem passou pelos principais festivais do Brasil nos últimos dois anos, viu o trio cuiabano surpreender a plateia com composições instrumentais sem vocais, que alternam sutileza melódica e riffs pesados de guitarra. Com participações célebres no SWU 2010, Planeta Terra 2009 e uma emocionante apresentação com Gilberto Gil no Auditório do Ibirapuera, o Macaco Bong ganha cada vez mais destaque no mainstream - mas sem abandonar as raízes do independente.
Quando baixo, guitarra e bateria estão no palco, a voz é gritada em silêncio por centenas de pessoas, de várias regiões do Brasil, que se sentem representadas pelo trio. Assim como elas, o Macaco Bong integra a rede de coletivos Fora do Eixo, que nasceu para estimular a circulação de bandas, cultura e tecnologia e hoje está em todos os estados, exceto no Maranhão. Em entrevista ao Guia da Semana, o baixista Ney Hugo fala sobre a rede e a cena atual da música brasileira, confira o bate-papo!
Guia da Semana: O disco Artista Igual Pedreiro recebeu elogios de grandes mídias especializadas como a Rolling Stone que, em 2009, considerou o melhor álbum do ano. Como foi o trabalho musical em cima desse CD?
Ney: Foi espontâneo, fizemos muitos shows sem disco e quando decidimos gravar, já tinha muita coisa pronta. O Artista Igual Pedreiro é o registro do que foi Macaco Bong nos primeiros anos de banda, tanto estético quanto do que vivemos no sentido de artista igual pedreiro mesmo, do artista entender que trabalhar com arte é um trabalho como outro qualquer, como o do pedreiro no sol botando tijolinho com tijolinho. Isso recai na música porque não seguimos uma fórmula ou tendência de mercado, apenas nos expressamos. Estamos nos desenvolvendo ainda, não temos um conceito sonoro definido, falamos rock instrumental porque é o que mais se aproxima, mas o Macaco Bong se enxerga como um laboratório musical.
Guia da Semana: O Macaco Bong cresceu no contexto de formação de um coletivo em Cuiabá, o Espaço Cubo. Qual é a relação da banda com o coletivo?
Ney: A banda veio como um dos programas do coletivo, que tem ações com foco social, na economia solidária e trabalha com a cabeça produtiva da cultura. Ter uma banda que pudesse trabalhar dentro da criação desses programas foi a oportunidade que enxergamos. Era um momento em que o Espaço Cubo cada vez mais se conectava com outras localidades, num movimento que hoje é muito forte, que é a rede Fora do Eixo, que tem mais de 60 coletivos. O Macaco Bong passou a atuar como uma banda de ferramenta, ao mesmo tempo em que tocava nos festivais e eventos do coletivo, estimulava o surgimento dele, na medida em que era uma banda barata para fazer turnê. E continuou barata, mesmo com a projeção que o Macaco Bong tem hoje.
Guia da Semana: Como funciona a rede Fora do Eixo, que o coletivo e, consequentemente, a banda integram?
Ney: É uma rede principalmente de gestão colaborativa, sem presidente ou chefe, pautamos as relações de trabalho no incentivo da troca de serviços. Temos moedas complementares, que no caso do Espaço Cubo é o cubocard. E como isso começou? Lá na ponta, quando precisávamos fazer shows e não necessariamente tínhamos capital. Em vez do cara da banda ter um emprego e com o salário pagar o estúdio de ensaio, ele pode trabalhar diretamente com aquilo e trocar serviço. Ele tem estrutura de volta, estúdio de ensaio, a possibilidade de tocar fora do estado e cada vez mais serviços. Em Cuiabá, a moeda chegou a restaurante, papelaria, tatuagem. Não substitui o real, mas viabiliza o nivelamento de oportunidade e faz com que não só o cara com emprego público consiga ter uma guitarra legal e uma banda. Se o moleque que acabou de sair da escola quiser, ele pode também. A música é o carro-chefe porque no primeiro momento ela é mais atrativa. Mas tem audiovisual, literatura, teatro e outras linguagens não necessariamente artísticas envolvidas na cadeia produtiva da cultura.
Guia da Semana: O Artista Igual Pedreiro foi lançado por um selo independente do circuito?
Ney: Foi uma parceria do Fora do Eixo Discos - que é o setor de distribuição do circuito que está distribuindo também o Emicida - com a Monstro Discos, que é de Gioiânia, tem abrangência nacional e acho que é o selo mais bem-sucedido no Brasil, que ignora gravadora de médio e grande porte.
Guia da Semana: O disco está disponível na Internet pelo processo de download remunerado. O que vocês acham desse projeto?
Ney: É uma ferramenta muito interessante, hoje acho que 99% das bandas colocam as músicas na Internet, tem 1% que ainda está num protecionismo antiquado. Você pode ter certeza que a banda que coloca música na Internet vende mais CD do que a que não coloca. Se coloca na Internet forma público, conseqüentemente, os shows vão ser cheios, e lá estarão as banquinhas que vendem o CD. O download remunerado mantém a música de graça para quem consome, mas remunera o artista, sendo mantido pela Trama Virtual por meio de patrocínio. E o público sabe a diferença de baixar lá e no rapidshare, como o download remunerado vai para a banda, ele vai preferir lá.
Guia da Semana: Desde o início, vocês trabalham com rock instrumental. Como você acha que o estilo tem se colocado dentro da cena musical brasileira?
Ney: Tem conseguido se posicionar muito mais na atual conjuntura de tomada do mercado da música por conta das bandas independentes. Antes, o independente era visto de maneira pejorativa, separavam música independente e brasileira, hoje é tudo música brasileira. O cara que começa um projeto musical não pensa mais se a gravadora vai contratar ou não, ele já faz o myspace, cria o site, faz um material e entrega na mão de cada produtor de festival e se prepara para ele mesmo gravar. Já tem toda uma tecnologia de auto-gestão para a banda, tanto para as mais experientes quanto para as que estão começando. A música instrumental conseguiu se estruturar muito por isso e esse processo permite uma liberdade estética muito forte.
Guia da Semana: O instrumental ganhou categoria no VMB 2009, na qual vocês concorreram como melhor banda. Isso contribuiu para fortalecer a cena?
Ney: Na verdade eu vejo no sentido oposto, não vejo que o instrumental ganhou força porque apareceu no VMB, e sim que apareceu no VMB porque ganhou força e a MTV achou interessante ter uma categoria que já tinha bandas de qualidade e público. E não foi a MTV que quis liberar espaço, são esses nichos que se desenvolveram e ocuparam esses espaços. Chega uma hora que o jornal que fechar as portas para isso vai perder pauta, então, ele tem que noticiar.
Guia da Semana: Vocês cresceram em festivais independentes e, nos últimos anos, participaram dos grandes como SWU e Planeta Terra. É a mesma lógica de ocupação de espaço?
Ney: Com certeza. No SWU, tocamos no mesmo palco que Rage Against The Machine e Queens of the Stone Age. Nós e o Black Drawing Chalks, duas bandas independentes que não são do eixo Rio-São Paulo. E no mesmo ano que fizemos SWU e Planeta Terra, tocamos em Juazeiro, no Ceará, em Souza, na Paraíba, e continuamos com o trabalho nos outros setores do Fora do Eixo. É nosso objetivo ocupar esses espaços e se posicionar como musica instrumental brasileira, mas o foco é na rede, isso é uma conseqüência do que a gente faz.
Guia da Semana: Vocês já tocaram com o Gilberto Gil, em um show com composições dele instrumentalizadas por vocês. Como foi a preparação dessas músicas?
Ney: Tivemos uma preocupação, é uma responsabilidade muito grande tocar músicas do Gil né. Mas tentamos arranjar com a nossa linguagem e expressão, sem forçar. O Bruno fez a pesquisa em cima do repertório que a gente tinha e foi dialogando com o filho do Gil, o Bem Gil, no arranjo e tom. Quando ensaiamos com o Gil foi muito engraçado porque ele nunca tinha ouvido o nosso som e já chegou dizendo: "o que vocês querem que eu faça?" (risos), foi completamente aberto! Em um momento ou outro opinou, construiu junto, mas o macro dos arranjos fomos nós que fizemos e ele colocou a voz.
Guia da Semana: Para finalizar, gostaria que você falasse suas influências musicais.
Ney: É difícil citar, a referência está a todo momento, uma banda que vi ontem no Goiânia Noise já virou referência. Um dia eu até fiz uma listinha de baixistas pra citar em entrevista (risos), tem desde o Jaco Pastorius ao baixista do Foo Fighters, desde o Charles Mingus que é do jazz ao baixista do Pantera e do Sepultura.
Por Marjorie Ribeiro
Atualizado em 1 Dez 2011.