Por Marjorie Ribeiro
Filho de um pernambucano com uma paulista, ele cresceu rodeado por instrumentos musicais que seu pai consertava em casa, na Cohab Juscelino, em Guainazes, zona leste de São Paulo. Escutava músicas românticas das rádios ao mesmo tempo em que era influenciado pelos artistas que passavam pela oficina, como Dominguinhos, de quem ganhou sua primeira sanfona.
O convite para integrar a banda de Chico César apareceu aos 17 anos e foi o empurrão para uma carreira que seria construída acompanhando também Arnaldo Antunes, José Miguel Wisnick, Luiz Tatit e Zélia Duncan. Foi com Amado, na voz de Vanessa da Mata, que conquistou o prêmio Multishow de melhor canção de MPB, em 2009. Mas a maioria de suas composições ficaram conhecidas pela parceria com Arnaldo Antunes, como Quarto de Dormir e Longe.
Após mais dez anos de estrada, Marcelo Jeneci gravou seu primeiro disco no fim do ano passado, Feito Pra Acabar, em que toca piano, teclado, sanfona, canta e mostra seu dom para compor letras e melodias singelas com um quê de lirismo e cultura popular. O trabalho conta com a participação da bela Laura Lavrieri, que divide os vocais com o cantor, e o instrumentista Arthur Verocai, que já fez arranjos para Gal Costa, Erasmo Carlos e Jorge Ben Jor. Em pouco tempo, o CD foi aclamado pela crítica especializada e considerado o segundo melhor lançamento de 2010 pela revista Rolling Stones, do Brasil.
O artista bateu um papo com o Guia da Semana, confira entrevista!
Guia da Semana: Multi-instrumentista há anos, gostaria de saber como foi seu primeiro contato com um instrumento?
Marcelo Jeneci: Lembro de uma cena em que eu tinha uns quatro anos e tentava tocar a música Linha do Horizonte, do Azimuth, no teclado. Meu pai, que tinha vontade de ter sido músico quando jovem, começou a incentivar isso em mim. E, de fato, minha infância era dividida entre me divertir com videogame, futebol e música. Comecei a trabalhar com música aos 15 anos, quando recebi grana por tocar. Estou com 29 anos agora e vai fazer 15 anos que trabalho com música.
Guia da Semana: Como a influência do seu pai foi determinante para esse interesse?
Marcelo Jeneci: Meu pai manja intuitivamente de aparelhos eletroeletrônicos. Ele via na loja um órgão ou teclado e, como não tinha grana para comprar, dava um jeito de fazer. Ele ganha a vida até hoje desenvolvendo saídas para equipamentos eletro-eletrônicos. Até que ele fez o captador da sanfona e ele é uma das poucas pessoas que faz isso no Brasil, há mais de 20 anos. Então, minha casa sempre foi ponto de passagem de músicos que precisavam arrumar seus equipamentos, principalmente, a sanfona. Cresci no meio disso, gostando de tocar e tendo uma memória musical que agradava meu pai. Toda vez que algum músico importante ia em casa, ele me chamava e pedia pra tocar. Dominguinhos, Oswaldinho do Acordeon, Sivuca, Chico Chagas e outros. Foi aí que recebi meu grande convite de trabalho: ingressar na banda do Chico César.
Guia da Semana: Como foi a entrada na banda do Chico César?
Marcelo Jeneci: Até então, eu não tocava sanfona, achava que seria pianista, um cara da música erudita. Até que chegou esse trabalho, quando tinha 17 anos, e a chance de ganhar uma grana boa no show de um artista que estava estourando - era o auge de Mama África. Quando me perguntaram se sabia tocar teclado e sanfona, respondi, "lógico!" e enganei (risos)! Fui à casa do Dominguinhos, que já era conhecido do meu pai, pegar uma sanfona emprestada e ele acabou me dando uma de presente. Aprendi a tocar na estrada e, aos poucos, a sanfona mudou minha vida da água para o vinho. Passei dez anos tocando piano e sanfona, viajando com Chico César, Vanessa da Mata, Arnaldo Antunes, José Miguel Wisnick, Luiz Tatit e Zélia Duncan, artistas que hoje são parceiros na hora de compor.
Guia da Semana: Ao mesmo tempo em que você diz que achava que seria um cara da música erudita, é possível perceber a influência da cultura popular em seu disco...
Marcelo Jeneci: Na infância, tive contato com a música popular que tocava na rádio e novela. Na periferia de São Paulo só chega o que é muito popular e eu cresci absorvendo essa cultura. Tive contato com outros mundos através da música, ao beber da fonte de Luiz Tatit, Zé Wisnick e Arnaldo Antunes, que trazem uma poesia mais profunda e elaborada. Quando passei a compor, essas duas coisas se compatibilizaram em mim. É aí que entra o disco Feito Pra Acabar, que muitas vezes é visto como um trabalho que aproxima o radinho de pilha a quem está acostumado com a cultura dita intelectual.
Guia da Semana: Mesmo trabalhando com música desde cedo, você demorou a fazer seu disco próprio. Por que?
Marcelo Jeneci: Eu achava que seria um músico dedicado à música instrumental, mas depois de tanto anos tocando com artistas incríveis, senti necessidade de fazer melodias que pudessem ser cantadas. Isso aconteceu quando parei de bitolar no piano e na sanfona e fui para um instrumento que não sabia tocar. Misturou a vontade de fazer algo novo, porque já estava há dez anos fazendo a mesma coisa, com a de ir para o desconhecido. Eu me lembro da seguinte cena: tocando na turnê da Vanessa da Mata, ouvindo o terceiro disco do Los Hermanos e caindo a ficha que precisava comprar uma guitarra. Comprei e comecei a compor. Como não sabia nada, saíam coisas simples e eu tinha que cantar. Foi imprevisível, mas inevitável.
Guia da Semana: O que simboliza esse disco para você, o que quer mostrar com ele?
Marcelo Jeneci: Nesse disco, descobri o que quero fazer para o resto da minha vida: canção que diga coisas simples tentando não ser simplório, que tenha uma melodia que chame a atenção de quem passa despercebido e, quando a pessoa presta atenção, tem algumas camadas a mais.
Guia da Semana: O nome do disco, Feito Pra Acabar, é o mesmo da última canção do CD. Por que a escolha?
Marcelo Jeneci: Na hora de selecionar o repertório, busquei músicas fáceis e atraentes na primeira escuta, mas que também caminhassem para um lado mais profundo. Quando compus Feito Pra Acabar, que é uma parceria com o Zé Wisnick e o Paulo Neves, percebi que ela tocava nesse ponto. A partir do momento que você grava um disco, ele pode fazer parte de uma prateleira qualquer ao lado de discos do mundo inteiro. Entre as 13 músicas, a que tem mais para dizer é a Feito Pra Acabar, pela importância que ela tem para mim e pelo fato de ser um nome que pode soar pretensioso e também nada pretensioso. E é assim que eu acho que sou visto também.
Guia da Semana: O que você pensa da cena musical atual da qual faz parte, ao lado de artistas como Tulipa Ruiz?
Marcelo Jeneci: Não é coincidência a Tulipa lançar um disco chamado Efêmera e eu Feito Pra Acabar e, muitas vezes, sermos classificados como a menina e o menino que representam a faceta de uma música produzida em São Paulo. Fazemos parte de uma geração de artistas que há também Karina Buhr, Cidadão Instigado, Léo Cavalcanti, Thiago Petit, Do Amor, Mombojó, Duani, Iara Rennó, que tem vontade de leveza, liberdade e originalidade. Vejo a Internet totalmente estabelecida quebrando barreiras e essa geração que vive um momento "parecido" com o boom do pós-guerra nos anos 60, que havia manifestações em diversas artes e em vários lugares. Há uma correnteza coletiva inconsciente em que as pessoas estão conectadas dando voz a ela. Tem muita gente de fora fazendo música em São Paulo, o que gera a sensação de uma cena paulistana. Eu discordo, acho que há uma cena mundial com vários artistas como em outras gerações. Vivemos algo parecido com o que a Jovem Guarda viveu, vontade de trazer diversão e leveza. Depois da Internet e a Tropicália estabelecida, é o momento em que tudo já está misturado e não tem porque não avançar, é como se fosse mais fácil do que foi para eles há 50 anos.
Por Marjorie Ribeiro
Atualizado em 1 Dez 2011.