Por Guilherme Conte
Autran na pele de Harpagon, ao lado de Elias Andreato |
Para sorte do público - e azar da classe teatral, dado o sucesso absoluto da montagem - está de volta ao cartaz o espetáuculo O Avarento, de Molière. A mais recente coqueluche dos palcos paulistanos traz o lendário Paulo Autran no papel do, digamos, austero protagonista, e um elenco afinadíssimo, sob direção de Felipe Hirsch, o homem por trás da Sutil Cia. de Teatro.
Só o fato desta ser a nonagésima montagem da carreira de Autran, brilhante do alto de seus 84 anos, já seria motivo suficiente para que hordas de espectadores fizessem longas filas na porta do Cultura Artística. Creditar as poucas poltronas vazias somente à figura do ator, porém, seria uma gigantesca injustiça frente a um espetáculo primoroso.
Com o humor fino e corrosivo que lhe é habitual, Molière (1622-1673) traça um retrato da burguesia que, de tão atual, parece que foi escrito hoje, e não em 1682. O avarento do título é Harpagon, um viúvo muquirana às voltas com seu casamento e o de seus filhos. De tão precisa, a obra ganha ares de universalidade e toca em temas inerentes a todos nós: a ganância, a cobiça, o egoísmo e toda sorte de pequenezas.
Nessa refinada construção, o retrato cômico aparece como um elemento de reflexão. O riso pelo riso, gratuito, torna-se um mero reforçador de preconceitos. O Avarento, por sua vez, reside no panteão das grandes comédias, cujo poder de expor as feridas da sociedade é inabalável.
Para se compreender a concepção da montagem é necessário, antes de tudo, deter-se na figura de Autran. Um dos principais protagonistas da passagem para o teatro moderno brasileiro, quando de sua atuação no TBC dos anos 1950, Paulo Autran é o ator moderno por excelência.
Isso explica o senso de força do conjunto. Não há "escadas", nada sobra nem falta: Hirsch imprime a cada um dos elementos um peso que garante o equilíbrio da montagem. São grandes atores em busca de um objetivo comum, pautados por um profundo respeito ao texto.
Essa homogeneidade torna difícil a tarefa de apontar destaques entre as atuações. Impossível não se encantar com a candura dos "ais" e suspiros de Claudia Missura, com as corridinhas de Gustavo Machado ou com as caras e bocas de Elias Andreato. O cenário de caixas vazias, assinado por Daniela Thomas, evidencia tanto a avareza de Harpagon como o vazio daquelas personagens.
Um espetáculo refinado e de qualidade, à altura de um dos maiores atores da história do teatro brasileiro. Uma cidade que tem a chance de assistir a ele deve ser eternamente grata. Ter uma segunda chance, então, é um raro privilégio.
Quem é o colunista:Guilherme Conte.
O que faz: jornalista e crítico de teatro.
Pecado gastronômico:a feijoada do Veloso, na Vila Mariana, em São Paulo.
Melhor lugar do Brasil: Posto 7, no Arpoador, Rio de Janeiro.
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Atualizado em 10 Abr 2012.