Uma pesquisa do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) revelou, na semana passada, que a maioria dos brasileiros concorda que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas e que se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros. Como haveria de ser, as mulheres (em sua maioria, feministas), fizeram um grande barulho nas redes sociais, discordando da opinião escabrosa desses brasileiros e, mais que isso, se organizando para gritar seu descontentamento com o mundo misógino em que vivemos.
Em uma sociedade é opressora quando uma mulher é estuprada é porque “se insinuou” ou “estava na rua sozinha à noite, deveria estar casa”. Ou até mesmo porque “sua roupa provocou o estuprador”. O mesmo acontece quando um camarada é assaltado no meio da Praça da República por estar conversando no whatsapp com seu celular e, ao fazer o B.O., o policial simplesmente diz: “Mas você é maluco, hein rapaz? Andar com o celular à vista bem no centro de São Paulo?”. A culpa sempre é da vítima. Nunca do estuprador, nunca do assaltante.
Cansadas dessa culpabilização da vítima, sobretudo em casos de estupro, mulheres criaram uma campanha online que teve muita aderência. A proposta era tirar uma foto fazendo topless, mas com uma placa cobrindo os seios, com a hashtag: “Não Mereço Ser Estuprada / Vai Ter Que Respeitar”. Se a intenção era incutir respeito na cabeça de alguns homens, naufragou. A idealizadora da campanha, Nana Queiroz, começou a receber ameaças de estupro - homens dizendo que se a vissem na rua, a estuprariam e até mulheres dizendo que ela merecia ser estuprada.
Em meio à essa polêmica toda, e em solidariedade às amigas feministas, decidi também entrar na campanha. Eu, Jessica Tauane, 22 anos, ativista LGBT e dona do Canal das Bee (canal de humor e ativismo no YouTube, que está chegando na casa dos 12 mil inscritos – e parceiro do Guia da Semana).
Pensei: “se tenho um alcance tão grande, vou usá-lo para o bem.” Logo, tirei a foto (e a roupa) e postei no meu instagram:
A foto contava com o seguinte texto: “Com micro-shorts ou burca, mulheres são estupradas ao redor do mundo. No Brasil, a maioria acha que a culpa é da roupa, é da vítima. Precisamos mudar essa mentalidade. A culpa é do AGRESSOR. E não aceitaremos viver como cidadãs de segunda classe, sempre com medo, sempre caladas. #NãoMereçoSerEstuprada #VaiTerQueRespeitar”. Claro o suficiente, em minha opinião.
Confesso que nunca tinha sofrido alguma agressão puramente machista. Ela sempre tinha um tom homofóbico – por eu ser lésbica e lutar pelos LGBTs. Mas, pela primeira vez, senti o que é ser menosprezada puramente por ser mulher: um rapaz, chamado Felipe Maciel, achou meu perfil, procurando pelas hashtags da campanha e desferiu o seguinte golpe:
Aprendi a me defender a muito tempo, e precisava que minha história chegasse aos ouvidos de outras pessoas. Repliquei a ofensa dele e disse aos meus seguidores: “Na foto que está com quase 300 likes no meu facebook, sou obrigada a ler um comentário misógino e escroto! Quem o machistinha pensa que é pra vir comentar na minha manifestação feminista, eu não sei! Convido todos os amigos a comentarem na foto, taggeando o ser! Machistas, não passarão! GORDA, SAPATÃO E FEMINISTA COM O MAIOR ORGULHO!”
Imediatamente, uma avalanche de comentários repreendendo a ação do Felipe e incentivando a campanha começou a tomar minhas redes sociais. Cheguei a escrevê-lo, dizendo que, felizmente, tinha mexido com a gorda errada. E deixei que as pessoas se manifestassem livremente. Muitas me escreveram dizendo: “você é gorda, mas é linda, nunca desista de lutar!” ou “ele é feio, quem pensa que é para falar de você?” ou “esse merece levar porrada!”, etc.
No dia seguinte, depois de pensar bastante, escrevi um texto de agradecimento às pessoas que me apoiaram, mas apontando algumas considerações que bastante me incomodaram e me fizeram perceber que o machismo está em cada um de nós, e precisamos urgentemente nos livrar desse mal.
Os apontamentos são os seguintes (nessa coluna, maiores e com atualizações):
1) O que menos me incomodou foi o fato do agressor ter me chamado de gorda. Eu tenho espelho em casa e NUNCA na minha vida fui magra. Minha mãe sempre diz que eu nasci gordinha e eu brinco que nunca tive menos que 60kg (não que eu me lembre). E ser gorda realmente não é um fato que me incomoda na vida, já trabalhei minha autoestima por anos até chegar nesse ponto.
2) O que me incomoda é ele vir CONTRA uma manifestação anti-estupro.
3) O que me incomoda é a gente AINDA TER que se manifestar contra o estupro.
4) O que me incomoda é ele não saber que mulher é alvo de estupro, sendo gorda, magra, feia, bonita, amarela, branca, negra, pobre, rica, etc. Enfim, o alvo é a MULHER. (E claro que as minorias são mais suscetíveis - a mulher pobre e negra que mora na favela, por exemplo).
5) O que me incomoda é ele me dizer pra ficar TRANQUILA enquanto, em 2012, a cada 40 minutos, uma mulher foi estuprada em São Paulo e, no mesmo ano, uma mulher foi estuprada a cada 12 SEGUNDOS no Brasil.
6) O que me incomoda é ele me dizer para ficar tranquila, enquanto os índices de estupros são muito MENORES do que a realidade - porque muita mulher tem medo e VERGONHA de denunciar quando é estuprada.
7) O que me incomoda é ele me dizer para ficar tranquila, enquanto uma menina chega em casa e é CULPADA por ter sido estuprada.
8) O que me incomoda é ele me dizer para ficar tranquila, enquanto meninas são abusadas sexualmente por homens da PRÓPRIA FAMÍLIA, piorando as chances de conseguirem denunciar. Esses casos, que nunca ouviremos sobre, não me deixam dormir.
9) O que me incomoda é ele ser gordo e tentar ofender uma MULHER por ser gorda. Homem pode ser gordo e mulher não? Que lógica é essa?
10) O que me incomoda é ele dizer que protestar tirando foto semi-nua é CARÊNCIA SOCIAL. Suprimindo o fato de que ele vir no instagram de alguém que ele não conhece, única e exclusivamente para vomitar machismo, é exatamente isso.
11) O que me incomoda é gente vomitando asneira sobre o fato do protesto ser com mulheres semi-nuas. Mulher semi-nua na propaganda de cerveja pode; mulher semi-nua na banca de jornal pode; mulher semi-nua nos programas de televisão pode? É claro: todos esses citados têm como público-alvo o HOMEM. Quando a intenção é a luta da mulher, NÃO PODE.
12) O que me incomoda é ver MULHERES dizendo que EU, que tiro foto semi-nua pra protestar, tenho mais que ser estuprada, pois "não me dou o valor".
13) O que me incomoda é ver gente lutando contra o feminismo sem nem saber o que ele é.
14) O que me incomoda é me escreverem: “Jessica, fica tranquila... você é gorda, MAS é linda!”
Não existe “mas”. Eu sou gorda E sou linda. E não há ninguém no mundo que me faça acreditar o contrário. E TODAS as mulheres devem se sentir lindas, do jeitinho que são
PS: Um grande beijo à Magali Gonçalves, que me escreveu nesse período, contando sobre o caso de sua mãe – que tem 66 anos e é cadeirante – e sofreu uma tentativa de assédio sexual. Nenhuma mulher está imune a este tipo de violência, mas continuemos lutando com mais mil Jessicas, Magalis e Nanas Queiroz para que isto acabe de vez.
Se quiser aprendem um pouquinho sobre feminismo, confira o vídeo que fizemos no Canal das Bee sobre o tema:
Por Jessica Tauane
Atualizado em 8 Abr 2014.