Os remanescente da geração bicho-grilo ainda hoje acreditam que o paraíso fica em Camburi
Com a retomada do eixo turístico do Caminho Real, que une Paraty (RJ), Santos (SP) e Ouro Preto (MG), as pontas dessa trilha têm recebido investimentos no mesmo ritmo que têm sofisticado serviços, esvaziando os bolsos do turista. No entanto, é possível realizar uma viagem mais barata e tão rica quanto a versão de luxo. É só saber garimpar a nobreza desse caminho no seu estado mais puro, descobrindo as simples e ricas manifestações naturais e culturais de Cunha, São Luiz do Paraitinga e de praias isoladas como Camburi, em Ubatuba, com diárias a R$ 7 e gastos totais de menos de R$ 200.
Essas três cidades paulistas unidas pela Rodovia Oswaldo Cruz (SP-125) estão compreendidas nos 315 mil hectares do Parque Estadual da Serra do Mar. Ao total, essa área de preservação reúne 15 municípios, de Ubatuba a Itariri, no sul do estado.
O Parque é a principal faixa da Mata Atlântica. Passados mais de 500 anos de exploração, esta floresta, que cobria a maior parte do litoral brasileiro, hoje preserva somente a mata secundária, fruto já modificado pela mão humana. A fauna original foi profundamente atingida, restando 111 espécies de mamíferos (quase a metade do total estimado), com 22 ameaçadas de extinção, principalmente entre os primatas. O mesmo quadro acontece com as aves, sobrando cerca de 373 espécies, também metade do total existente na Mata Atlântica recenseadas em antigos estudos do século 19. Ao menos, entre as mais de 1200 espécies de plantas registradas, três são novas, mostrando que a vida, mesmo na destruição, encontra o seu caminho.
Terras indígenas e quilombolas
Foto: Bruno Cesar Dias
A garganta de acesso à comunidade, uma inclinada estrada de terra batida de 10 Km e meia hora de caminhada forte
No primeiro quilômetro paulista da Rio-Santos fica o Núcleo Picinguaba do Parque Estadual, compreendendo também a vila de Camburi. Suas quatro praias (Camburi, Brava da Almada, da Fazenda e de Picinguaba) eram habitadas pelas tribos Tupinambás e Carapeva até a chegada dos portugueses e a fundação da Vila Nova da Exaltação da Santa Cruz do Salvador de Ubatuba, em 1637.
Enquanto a ocupação lusitana e dos primeiros brasileiros priorizou a enseada da Vila, no centro de Ubatuba, a proximidade de Camburi com Paraty fez de suas matas vizinhas o destino dos negros fugidos. A negra Josefa, um dos moradores de registro mais antigo, ergueu sua casa de pau-a-pique acima da cachoeira da divisa, hoje conhecida como Cachoeira da Escada, fundando assim as bases do Quilombo Jambeiro.
O lento progresso fez a região permanecer praticamente inalterada até o começo da década de 70, quando começou a ser descoberta por hippies e por toda espécie de bicho-grilo. "O acesso era horrível, a praia ficava tomada de barracas, que deixavam tudo muito sujo. Hoje está muito melhor", diz Mara de Sousa, paulistana e professora de Educação Física da rede estadual de ensino.
A eletricidade só chegou em 2008, com o programa Luz para todos, do governo Lula, e a garganta, uma descida de mais de 30 minutos a partir da estrada, ainda não é completamente asfaltada. No entanto, essas características são valorizadas por quem lá vive do turismo. "Hoje, estamos desenvolvendo nossa infraestrutura, mas respeitando nosso porte e história. Não queremos grandes empreendimentos e sim ser esse espaço de resistência, diz Fábio Andrade Luz.
Este paulistano de São Mateus chegou há 16 anos na localidade, instalando-se num lote na parte detrás do rio formado pela queda dos Três Poços, hoje estruturado como o camping Luz da Lua. Além do Luz da Lua, há ainda o camping do Ipê, o maior e localizado bem na costa da praia, respeitando a faixa de preservação, e o camping Jambeiro, organizado pela ONG do quilombo Jambeiro. As diárias variam de R$ 7 a R$ 20, e todos oferecem chuveiro quente, áreas distintas para lavagem de roupas e utensílios domésticos. Na orla, bares dos moradores da região servem peixes e frutos do mar frescos, além de palmitos Jussara legalmente coletados.
Entreposto da natureza e da cultura
Foto: Manuel Marques
O Centro de São Luiz do Paraitinga, adensamento no alto da serra
Para alcançar as Minas, a subida da Serra levava à Cunha, a primeira parada e entreposto comercial, a 1.400 metros acima de Paraty. "A estrada que por aqui passava ligada até Diamantina, e a vila era responsável por abastecer toda esta região com leite, ovos, queijos, mel e demais artigos alimentícios", explica Ciro Calfat, empresário paulistano que decidiu deixar a capital e apostar no seu sonho, criando com a esposa Ana Rosa, há seis anos, a Pousada Barra do Bié.
"Buscávamos uma alternativa a destinos interessantes, mas já batidos e, para nós, já um tanto quanto saturados, como Campos de Jordão (SP), Monte Verde (MG), Itaipava, Petrópolis e Visconde de Mauá (RJ)", explica o empresário, que investiu um ano de estudos de localização e viabilidade para iniciar a empreitada.
Ao contrário dos destinos dispensados no estudo, em Cunha não há congestionamento, e sim um povo receptivo, humilde e que recebe muito bem as pessoas de fora. A pousada do casal Calfat, localizada dentro da área de preservação do Parque estadual, a 25 km do centro da cidade, é uma das melhores estruturadas, com um farto e demorado café da manhã, sauna seca à lenha, piscinas climatizadas e restaurante em funcionamento (mediante reserva), além de mimos como kits de beleza e louça francesa, com diárias em chalés decorados que vão de a partir de R$ 396 a R$ 594.
Para quem procura estada mais em conta, o próprio Calfat dá a dica. "Hoje, a cidade oferece as mais diversas opções, de casas mais sofisticadas como a nossa a pousadas em casarões grandes que alugavam quartos a valores mais baixos e diversos tipos de restaurantes e lanchonetes".
Além de manter a tradição de ser o centro produtor rural da região, espalhando bons queijos, méis e demais artigos alimentícios em toda esta parte da Serra do Mar, Cunha conta com 20 ateliês de cerâmica com fornos de alta temperatura, diversificando os interesses e produtos da região. "Nosso polo ceramista está espalhado pelo município, grande em extensão, então não há a concentração excessiva de pessoas e estabelecimentos, como no Capivari, centro de Campos do Jordão", conclui Calfat.
Foto: Bruno Cesar Dias
Muita cultura nas ruas luizenses, como na festa do Saci, realizada no final de outubro
Encerrando o trajeto rumo ao eixo monumental da Via Dutra (BR-116), a bucólica São Luiz do Paraitinga, que um pouco mais de um ano após as chuvas de janeiro de 2010, reconstrói seu centro histórico, fundado em 1769.
O seu tradicional carnaval de marchinhas, que já foi destaque até no jornal The New York Times, retomou com força já este ano, concentrado em um novo espaço, garantindo assim espaço e condições para o centro histórico em reformas seguir sua recuperação.
A rede hoteleria, atingida nas chuvas, também retoma o ritmo. "Muitos casarões que recebiam turistas estão também em reforma, mas as famílias do ramo se ajudam e retomamos boa parte das vagas que tiveram de ser suspensas, oferecendo nosso requeijão de corte, nossas bebidas e quitutes, como o afogado e o pastel de milho", conta José Luiz Gama, proprietário da pousada Nativa´s, próxima ao centro e com diárias de R$ 70 a R$ 100. Segundo ele, as comemorações do dia internacional do saci, propositadamente junto ao americano Halloween, em 30 de outubro, estão garantidas, com muita festa, contação de histórias e as mais diversas manifestações culturais que fizeram a fama e coroam essa viagem rumo a Serra interior de cada viajante.
Atualizado em 6 Set 2011.