Foto: Wikipedia.org |
Esquina das Ruas Martinho Prado e Martins Fontes |
"Um combinado de concreto, arte e boemia que liga a Augusta à Consolação". A definição, como todas, ignora detalhes. E os detalhes, além de abrigarem deus e o diabo, são essenciais quando se trata da Praça Roosevelt.
Sutilezas e antagonismos convivem nesta "nova" referência no centro de São Paulo. No mais das vezes, em harmonia. Ao encontro da onda retrô, a novidade retoma velhas memórias. Na década de 50, a praça era ponto de encontro de expoentes da Bossa paulistana. Ali, no antigo bar Djalma's, Elis Regina estreou na cidade em 1964.
A Roosevelt ganhou as formas atuais em 1970, reinaugurada pelo general Médici - claríssimo mau agouro. Composta de duas enormes estruturas sobrepostas que cobrem a ligação viária leste-oeste, o lugar foi alvo de críticas desde o seu nascimento.
Queda
Como numa projeção da repulsa da elite militar à reunião de pessoas, faltam árvores e jardins e sobram escadas, cimento, becos e sombras. É preciso muita boa vontade para chamar de "praça" o que mais parece um enorme ponto-cego.
As construções desencorajam. Vítima do descaso de sucessivos governos, o cenário foi gradativamente ignorado, à semelhança de seus habitantes: viciados, prostitutas, moradores de rua.
Destaque recente em manchetes policiais já cansadas, a Praça Roosevelt se sustenta entre o abandono e a resistência. Mas ao contrário do que se espera, sua fragilidade abestalhada parece apenas incentivar as boas respostas.
Revanche
Tudo começou com a chegada do grupo teatral Satyros, em 2000, seguido por companhias como Teatro do Ator, Studio 184 e Espaço Parlapatões. Instalados no entorno da praça, estes palcos um dia gravitaram o Teatro Cultura Artística. Mas após o incêndio de agosto de 2008 que o destruiu quase que por inteiro, poupando por milagre apenas o histórico afresco de Di Cavalcanti na fachada, os antigos satélites ganharam brilho próprio.
Além de manterem acesa a chama da sexta arte, alguns abriram bares anexos. Cerveja, vinho e petiscos fixam um público que em outra situação transitaria em fuga apressada e ajudam a desenhar uma cena.
Adicionam à renovação a livraria especializada HQ Mix, as sedes da polícia militar e da guarda civil, um supermercado, uma floricultura, garagens verticais e uma tabacaria teimosamente resistente há mais de 15 anos.
Há pouco tempo, alguns bares colocaram mesas e cadeiras na praça, no mesmo ponto onde eventualmente se apresentam grupos como o inspirado Coletivo Poesia Maloqueirista. Este ano a Roosevelt também fez parte do calendário da Virada Cultural, abrigando a Dimensão Nerd.
Apesar de oposições certamente mal instruídas, nada parece abalar esta retomada. Um movimento fundado na cidadania mais simples, sem ligações irritantes com partidos ou sindicatos.
Essenciais
A igreja Nossa Senhora da Consolação é visita obrigatória para os religiosos ou apreciadores da arquitetura gótica. Já os profanos devem conhecer o PPP (Papo, Pinga e Petisco: o antigo Djalma's) e sua decoração bossa-kitsch, além dos cafés do Satyros e do Parlapatões. Momentos intimistas combinam com o La Barca (uma dica preciosa). Aos do improviso, bebidas no supermercado e dança na praça.
Com a naturalidade de vizinhos ali se cruzam personagens do teatro, da música, dos livros e das artes plásticas. Em meio a tal distinta fauna, poetas miram longe, os olhos perdidos no abstrato em busca de ângulos inesperados. Espécimes em luta contra a extinção. Como eles, a Praça Roosevelt já foi castigada demais. Merece os cuidados de nossa mais vigilante e depravada presença.
Clique aqui e veja como chegar.
Leia as colunas anteriores de Rafael Gregório:
As muitas provocações
A arte ocupa a Paulista
No meio da selva de pedra
O que faz: Jornalista, músico, advogado e escritor.
Pecado Gastronômico: Pizza, chocolate, sorvete.
Melhor lugar do mundo: Aqui.
Fale com ele: rafaelmgregorio @gmail.com ou acesse seu blog.
Atualizado em 6 Set 2011.