Com música e projeções em edifícios, a Voodoohop abriu a Virada Cultural 2010
Em prédios antigos, ao ar livre, em bares, estacionamentos e até puteiros. Desde 2009, o projeto itinerante já levou arte e música, com um impecável clima hedonista, aos mais inusitados locais. Mais do que incrementar a cena underground paulistana em rituais consagrados como uma das melhores alternativas para sair das mesmices das casas noturnas, a Voodoohop ajuda a revitalizar áreas urbanas semi-abandonadas.
A maioria das festas acontece no edifício da Avenida São João, transformado em espaço de encontros artísticos e ocupado com exposições e instalações. É lá onde é montada a decoração temática, que depois é recheada com banda, DJs, VJs, performances ou live painting. Toda a divulgação é feita no boca-a-boca e via redes sociais, e o público ajuda a escolher o tema e as atrações. Para entrar são R$ 20, mas quem vai fantasiado paga meia-entrada e quem chega de bicicleta entra de graça. Com o tempo, a fama do evento ultrapassou as fronteiras de São Paulo, com edições em outros estados e até no exterior.
Se foram nos lugares fechados que a Voodoohop conquistou frequentadores cativos, são nos grandes festejos na rua, como a abertura da Virada Cultural 2010 e do Outubro Independente 2010, que ela melhor interage com a cidade. Enquanto rola uma seleta discotecagem de ritmos, que vão do afrobeat ao psicodélico, SMS enviados pelo público são projetados nos prédios como uma verdadeira intervenção artística no meio urbano. No mês em que a Voodoohop comemora dois anos de existência, o Guia da Semana bateu um papo com o alemão Thomas Haferlach, um dos organizadores da festa. Confira!
Guia da Semana: Há quanto tempo está no Brasil e por que decidiu morar aqui?
Thomas Haferlach: Cheguei há cinco anos, nessa época eu morava na Escócia. Sou formado em Ciências da Computação e Robótica e trabalhava em uma empresa grande. Saí do meu trabalho e quis viajar pela América do Sul, nunca tive o plano de ficar em São Paulo, aconteceu sem querer.
Guia da Semana: Como surgiu a Voodoohop?
Thomas Haferlach: Comecei a tocar no Bar do Netão, na Rua Augusta, quando ele ainda não era conhecido, só para ouvir minhas músicas e beber. A festa começou a encher e passamos a fazer em lugares maiores. Tivemos a ideia de incluir mais o lado artístico, focar também nas outras artes e combinar tudo na noite. O próximo passo foi alugar um dos puteiros perto do Bar do Netão, o Nova Babilônia. Fizemos um evento que usamos uma parte para expor vídeo-arte, instalações de artistas e que, ao mesmo tempo, rolava música e dança.
Foto: Divulgação
Thomas Haferlach se espelhou nas ocupações de espaços culturais da cena underground de Londres e Berlim
Guia da Semana: Por mais que a festa aconteça em lugares variados, há dois anos vocês se instalaram em um prédio antigo no centro de São Paulo. Como foi isso?
Thomas Haferlach: Tivemos a ideia de tornar a festa itinerante, já que o Netão estava pequeno para ela. Procuramos lugares diferentes porque queríamos fugir da noite típica, trazer um pouco da cena de Londres e Berlim, das ocupações temporárias de espaço, como uma festa num estacionamento. Até que alguém indicou a Trackers, que era uma escola de música no centro e que tinha um espaço maravilhoso e bem diferente. Então viemos para cá, perto do Lago do Paissandu, na tentativa de trazer mais cultura para a região, e é aqui que trabalhamos de dia, onde fica nosso estúdio.
Guia da Semana: Esse espaço é alugado?
Thomas Haferlach: É uma coisa menos definida, a ideia é que ele seja aberto a propostas culturais. Estamos montando a instalação de uma artista francesa, às vezes temos amigos que fazem festas aqui. A Trackers não é uma balada, mas um espaço aberto a propostas. Entramos como sócio e ajudamos na parte de workshops, vídeo-mappins e produções de música.
Guia da Semana: Como são elaborados os temas das festas?
Thomas Haferlach: Nos divertimos muito pensando e às vezes perguntamos para o público. Temos uma comunidade no Facebook e tentamos incluir o máximo possível o público na criação da festa. Uma vez fizemos uma com o tema "Transtorno de Personalidade", que as pessoas tinham que fazer um teste de personalidade no site da Voodoohop e ir vestido com o seu transtorno. Quem achasse outra pessoa na festa com o mesmo transtorno ganharia uma medicação em forma de conhaque (risos)! Estimulamos sempre dando desconto para quem vai fantasiado. Há três meses, começamos a incentivar também o uso da bicicleta, deixando entrar de graça.
Guia da Semana: Vocês já tiveram problema com a vizinhança por causa de barulho?
Thomas Haferlach: A área aqui é bastante comercial, não temos muito problema. Tivemos uma vez, em uma festa que as pessoas chegaram com tambores e começaram a fazer barulho na sacada, mas normalmente não temos reclamações.
Guia da Semana: Como é pensado o line-up ?
Thomas Haferlach: Não é muito definido, nós mesmos fazemos a curadoria e estamos abertos a propostas. Tentamos trazer coisas diferentes e alternativas, músicas que não sejam muito pop, gostamos de sons experimentais, mas também de gente cantando. A ideia é achar um equilíbrio entre experimental e divertido. Começamos normalmente com sons orgânicos como afro-beat, funk antigo e psicodélico, misturado com música brasileira. Quando a festa dura bastante tempo, tocamos um pouco de eletrônico mais tarde, mas sempre misturando.
Foto: Divulgação
A ideia é que a festa seja um ritual para se libertar e liberar toda a energia pesada da semana
Guia da Semana: Quantos DJ's tocam na Voodoohop?
Thomas Haferlach: Como temos duas pistas, geralmente são umas seis pessoas no line-up, e não precisa ser DJ profissional, apenas que tenha um gosto mais excêntrico. Também tentamos colocar algo ao vivo, uma performance ou banda, que também tenha algo inovador. Já tocaram bandas como As Mercenárias, que toca anos 80, Tetini e Tigre Dente de Sabre, uma banda muito legal de São Paulo, que é experimental e dançante ao mesmo tempo.
Guia da Semana: A festa cresceu muito rápido, tendo hoje um público cativo. A que você atribui isso?
Thomas Haferlach: Quando cheguei em São Paulo, senti falta de propostas que tivessem um preço acessível. Há muitas noites acessíveis com música brasileira e samba, mas uma noite com um som mais misturado e coisas novas, isso só tem em clubes caros, como Lions e D-Edge. A identidade da festa é um ponto forte também, que é focar em surpreender e trazer diversão sem estar ligada à moda. É legal que temos também a oportunidade de trabalhar com a Secretaria da Cultura para fazer festas ao ar livre e de graça, é muito importante que seja acessível e que mais pessoas possam participar.
Guia da Semana: Vocês já fizeram a festa em outras cidades também, como são recebidos fora de São Paulo?
Thomas Haferlach: Brasília está dando muito certo, estou surpreendido. Temos parceiros que nos chamaram para fazer festas que ficaram muito cheias, as pessoas de lá estão muito abertas a propostas alternativas. No Rio, também fizemos uma festa que foi bem divertida e agora há pouco fizemos nossa primeira edição na Europa. Tocamos em Berlim, em um festival e, em Paris, ao ar livre na periferia, com evidências artísticas, o que tem muito a ver com a nossa proposta. Foi interessante porque nesse dia foram muitos imigrantes, africanos, ficou tudo misturado, muito legal.
Guia da Semana: Em junho, rolou a Voodoostock, que saiu do urbano. Como foi isso?
Thomas Haferlach: Tentamos fazer uma festa o ar livre, um festival em um sítio a uns 20 minutos do centro. São Paulo tem muitos lugares fechados, sentimos vontade de fazer mais atividades na natureza, passar um ou dois dias e voltar. Mas é complicado porque o nosso público é bem urbano, é necessário mais preparação, tivemos que fazer um esquema com vans para facilitar o transporte. Ainda tem um certo preconceito também, quando as pessoas ouvem que é festival ao ar livre já associam com uma rave só com eletrônico, mas é um evento bem diferente. Por isso, estamos pensando em outra proposta.
Guia da Semana: Setembro é o mês da cultura independente em São Paulo, comemorado com uma programação que é mais uma vez aberta pela Voodoohop. Você que nasceu e cresceu na Alemanha, como sente essa cena paulistana comparada a da Europa?
Thomas Haferlach: Uma das razões para eu estar ainda em São Paulo é porque sinto muito essa energia aqui, especialmente com cultura e arte, a cena de grafitti em São Paulo é maravilhosa. Em São Paulo, aparecem muitas possibilidades, a Europa já é bem estabelecida, um projeto como a Voodoohop funciona muito bem aqui porque as pessoas querem coisa nova e estão abertas, na Europa isso já existe há um tempo e não tem essa mesma intensidade.
Guia da Semana: Para finalizar, por que o nome Voodoohop?
Thomas Haferlach: Na Europa, o nome "voodoo" não é tão pesado quanto aqui, percebi só depois que as pessoas faziam uma associação com macumba e demoravam para entender que não é esse o sentido. A ideia é que a festa seja uma ritual para liberar o peso da semana, da vida, e por isso, um ritual como o "voodoo". E o hop é para deixar um pouco divertido.
Confira o vídeo de abertura do Outubro Independente:
Abertura do Outubro Independente / 1 ano de VOODOOHOP from The Silent Walk on Vimeo.
Atualizado em 10 Abr 2012.