Com nova formação, o Cérebro Eletrônico lança Deus e o Diabo no Liquidificador
Quando eles despontaram no cenário musical, em 2008, comentava-se muito que o título do elogiado álbum Pareço Moderno não poderia ser mais apropriado para definir a banda, que desde sempre buscou referências no movimento dos anos 60 criado por Caetano e Gilberto Gil. Em Deus e o Diabo no Liquidificador, lançado no fim do ano passado, o Cérebro Eletrônico mostra mais uma vez a força do nome dos seus discos.
Apesar de ainda beber do Tropicalismo, esse terceiro cd é mais abusado. Investe mais na guitarra e no rock'n roll sessentista, passando pela psicodelia dos anos 70 e o pop, até resgatar elementos carnavalescos. Com essa cara de "Deus e o Diabo" do cinema novo misturado a elementos sonoros do nosso tempo - com direito a participações ilustres de artistas da nova geração - o disco recém-nascido já é consagrado e coloca a banda pela segunda vez na lista dos 10 melhores do ano da revista especializada Rolling Stone.
O Guia da Semana bateu um papo com Tatá Aeroplano, vocalista e principal compositor do Cérebro Eletrônico, que traduz um pouco do que é o álbum e a cena independente atual. Além da banda, ele participa de discos de músicos como Tulipa Ruiz e Bárbara Eugênia, e é DJ residente do Studio SP, casa de show paulistana da Rua Augusta que privilegia a nova música brasileira. Confira a entrevista!
Guia da Semana: Gostaria que você contasse como a banda surgiu.
Tatá Aeroplano: Eu, o Fernando e o TRZ somos de Bragança Paulista. Tínhamos uma banda lá e depois viemos a São Paulo porque achamos que seria importante montar um grupo aqui. Foi aí que o Cérebro Eletrônico surgiu, em 2001. Começamos a gravar nosso primeiro disco em 2003, o Onda Híbrida Ressonante, e lançamos o Pareço Moderno em 2008. Como surgimos com o Jumbo Elektro, dividíamos muito o tempo entre as duas bandas, mas atualmente estamos totalmente focados no Cérebro Eletrônico. Toco em outras bandas [Frame Circus, Zeroum e Jumbo Elektro], mas a prioridade desde 2008 é o Cérebro Eletrônico.
Guia da Semana: Das 11 músicas do novo álbum, dez são suas. Como foi o processo de composição?
Tatá Aeroplano: Compus as letras, o Fernando Maranho, que foi parceiro no disco, acrescentou bastante, e os arranjos foram todos coletivos. Esse álbum tem uma maturidade maior nos arranjos, trabalho de grupo e até eu como compositor.
Foto: Edu Moraes
Tatá Aeroplano (terceiro, da esquerda para a direita) compôs a maioria das melodias
Guia da Semana: A música Desquite e Desestabelecerei brincam com ritmos carnavalescos, de onde veio essa influência?
Tatá Aeroplano: Sempre gostei de música carnavalesca, fazemos show de carnaval todo ano com a Trupe Chá de Boldo, banda de São Paulo, com 13 integrantes, que tem pés fincados nas raízes carnavalescas. No Deus e o Diabo e o Liquidificador tem Desquite e Desestabelecerei, que é uma composição feita originalmente em 1999 que eu resgatei. Sempre tive essa coisa do carnaval, meu pai sempre curtiu e eu sempre ouvi os caras antigos que tocavam.
Guia da Semana: Quais são suas outras influências trazida da infância?
Tatá Aeroplano: Desde Raul Seixas a Elvis, Beatles, Jovem Guarda, cada década que se vive você está sendo influenciado por um monte de coisas. Mas hoje em dia somos influenciados pelas próprias bandas da nossa geração, há um diálogo muito grande entre os artistas e isso acaba vindo diretamente no trabalho. A própria Trupe Chá de Boldo, Tulipa Ruiz, Vanguart e muitas outras que convivemos e somos amigos.
Guia da Semana: E essa turma faz vários projetos juntos e participam um do cd do outro. Como foi essa contribuição no Deus e o Diabo no Liquidificador?
Tatá Aeroplano: Participaram Tulipa Ruiz, Leo Cavalcanti, Gustavo Galo da Trupe, Zimbher, Dudu Tsuda, Hélio Flandres do Vanguart e vários outros. É uma coisa muito natural chamá-los e eu também participei do disco da Tulipa e da Bárbara Eugênia. Até antes de formar a banda, já fazíamos isso indo um na casa do outro e isso faz toda a diferença, porque o trabalho de um reflete no do outro.
Guia da Semana: O Cérebro Eletrônico é comumente associado ao Tropicalismo, o que mais influenciou vocês nesse movimento?
Tatá Aeroplano: A Tropicália é historicamente o momento que você não tinha mais aquela caretice de só fazer samba ou só rock e não poder misturar, tinha um puritanismo na música brasileira que era muito chato. E a Tropicália ousou e juntou a Jovem Guarda com o baião e a música brasileira. Se hoje temos liberdade de fazer o que a gente bem entende musicalmente é uma herança disso, não tem mais aquele preconceito e nisso a Tropicália foi muito importante.
Guia da Semana: Vocês exploram também a psicodelia dos anos 60, assim como muitas bandas atuais. Esse movimento também voltou?
Tatá Aeroplano: Acho que essa ideia nunca desapareceu e tem bandas psicodélicas que marcaram muito minha vida, como Os Mutantes. Hoje em dia você tem o Super Cordas, Vanguart, o próprio Jupiter Maçã, o disco da Barbara Eugênia é cheio de psicodelia e tem uma série de grupos.
Foto: Edu Moraes
O Cérebro Eletrônico já tocou tanto em festivais grandes, como o TIM 2008, quanto em independentes
Guia da Semana: Como foi a produção do disco?
Tatá Aeroplano: O disco foi lançado pela Phonobase, que está dentro desse novo conceito de trabalhar a música. Todo o processo de gravação foi feito da mesma maneira do Pareço Moderno, com a mesma galera, equipe, produtor e isso foi muito importante para que fosse uma continuação da sonoridade do Pareço Moderno, com umas coisas a mais.
Guia da Semana: E como é esse novo conceito de trabalhar a música?
Tatá Aeroplano: Chegou o momento que você não tem mais a ilusão que vão te contratar e cuidar da sua carreira. Começamos a gravar o disco e colocar dinheiro, com a venda de disco e show, você consegue juntar todo investimento e ainda dá lucro. A banda é uma empresa, que funciona e consegue se bancar. Não vivemos do dinheiro da banda, mas a banda vive dela mesma.
Guia da Semana: Falando nisso, a banda tocou no Demo Sul ano passado, festival filiado à Abrafin e realizado pelo Fora do Eixo, que trabalha bastante com essa filosofia. O que você acha disso?
Tatá Aeroplano: Eu sou super afinado com eles, sou fã do trabalho que eles fazem. Temos que desglamourizar isso do cara querer fazer música para ganhar dinheiro e ficar rico. Isso acabou, esquece. É algo que você gosta e tem uma necessidade de trabalhar a composição. O Fora do Eixo vem organizando festival e revolucionando isso, com milhares de shows por ano.
Guia da Semana: Dentro desse contexto, a discussão a respeito dos direitos autorais está cada dia mais atual. Qual sua opinião a respeito?
Tatá Aeroplano: Essa discussão de que os direitos autorais e o ECAD [Escritório Central de Arrecadação e Distribuição] não funcionam é mais por falta de conhecimento. Se eu vou fazer um show e pago o ECAD, as músicas voltam para os compositores tudo direitinho, e se a música toca na rádio, tem lá a sociedade arrecadadora de direitos autorais que recebe da rádio. Durante muito tempo, faltava informação para a gente a respeito disso.
Guia da Semana: Para finalizar, por que Deus e o Diabo no Liquidificador para esse terceiro disco?
Tatá Aeroplano: É do filme Glauber Deus e o Diabo na Terra do Sol e eu fiz uma música há muito tempo que contava a história de um cara que colocava Deus e o Diabo para conversar. E quando eles começavam a brigar, ele colocava os dois no liquidificador.
Confira vídeo da música Desquite:
Atualizado em 6 Set 2011.