Fundador e diretor do Projeto Portinari, João Candido Portinari é filho do artista plástico brasileiro Cândido Portinari. Seu nome está em alta por outros dois motivos: o anúncio da mostra com os painéis Guerra e Paz, originalmente expostos na ONU, em São Paulo e por ganhar o Prêmio Trip Transformadores - Edição 2011.
Em entrevista ao Guia da Semana, o professor fala sobre a obra de seu pai, o peso de seu sobrenome, premiações, mudanças no Brasil e, é claro, sobre a exposição dos painéis no Memorial da América Latina a ser inaugurada em 6 de fevereiro, para marcar os 50 anos da morte de Portinari. Confira!
Guia da Semana - Qual o sentimento de ser agraciado com o Prêmio Trip Transformadores?
João Candido Portinari - É um grande orgulho. Um grande incentivo porque eu estive lá na noite da outorga do prêmio e foi emocionante. A gente respira ali um clima de orgulho de ser brasileiro e isso é muito importante para uma nação que até pouco tempo atrás padecia daquilo que o Nelson Rodrigues chamava de complexo de vira-lata. O Brasil nesses últimos anos tomou consciência do seu valor e isso fez com que os países do primeiro mundo passassem a nos olhar com muito respeito. Temos qualidades aqui como o afeto e o convívio com a diferença, que muitos não têm. Eu vivi dez anos fora do Brasil, no final da década de 1950, e sofri a humilhação de ver como era distorcida a imagem do nosso país, mas agora o gigante adormecido está acordando. Esse prêmio e toda a postura dos dirigentes não é ufanista.
GDS – Como foi o processo de trazer os painéis Guerra e Paz de volta ao Brasil para uma exposição?
JCP - Estamos trabalhando há 32 anos no Projeto Portinari. Há coisas antes da mostra com os painéis, como o Catálogo Raisonné da obra completa de Portinari, o primeiro dessa natureza em toda a América Latina. A vinda de Guerra e Paz foi milagrosa. Ninguém imaginava que isso pudesse ocorrer, era um sonho que tínhamos. Lembro-me que, quando eles foram inaugurados no Theatro Municipal do Rio de Janeiro em 1956, eu tinha 17 anos e no dia seguinte saiu uma matéria no Correio da Manhã que dizia 'Agora, eles irão irrevogavelmente para a ONU. Quem quiser vê-los que vá a Nova York'. Aquilo martelou na minha cabeça.
GDS - Qual o peso de ter um sobrenome de tanta relevância no mundo?
JCP - Na minha juventude foi muito pesado, foi uma carga quase que insuportável porque eu tinha que criar um caminho meu, tinha que me afirmar como pessoa humana e era muito difícil porque as pessoas me apresentavam como 'o filho do Portinari'. Isso foi sufocante tanto que eu saí de casa aos 18 anos e só voltei dez anos depois ao Brasil. Inclusive meu pai faleceu enquanto eu estive fora, então a construção de um caminho meu que não dependesse do meu sobrenome foi uma grande luta na minha vida, mas hoje, carregar esse sobrenome é simplesmente um orgulho e um fardo muito leve, que eu carrego com muita honra, como uma missão de trabalhar para que essa mensagem, essa obra possa chegar ao maior número de pessoas.
GDS – Uma pergunta difícil: quais as suas obras preferidas feitas pelo seu pai? Consegue citar algumas?
JCP - Guerra e Paz, sem dúvida nenhuma é a preferida de todas. Pouca gente sabe que ele fez poesia no fim da vida e chegou a publicar um livro de poemas selecionados por Manuel Bandeira, que esgotou. Estamos pensando em fazer uma reedição em 2012, que marca os 50 anos da morte de Portinari, entre uma série de ações para marcar a data. A principal delas talvez seja inaugurar a exposição de Guerra e Paz em São Paulo, no dia exato da morte dele, 6 de fevereiro.
GDS - Acha que o país está aprendendo a admirar a arte?
JCP - Eu cito uma frase de Chopin: 'A Arte é o espelho da Pátria. O País que não preserva os seus valores artísticos jamais verá a imagem da sua própria Alma'. Isso é uma declaração muito profunda ao meu ver. É mais atual do que nunca, estamos muito empenhados no desenvolvimento econômico e tecnológico, mas é preciso não esquecer que se não estiverem subordinados a uma finalidade humana vão nos levar a um mundo massificado. Lembro também uma parábola chinesa da pessoa que quer plantar uma flor e pega uma enxada e vai caminhando. Só que no caminho, ela se fascina de tal forma com a enxada e esquece que a finalidade daquela enxada é plantar a flor. A Arte é aquilo que permite que nós não nos esqueçamos que todos os esforços na economia e tecnologia visam plantar a flor, ou seja, visam trazer felicidade, ampliar as possibilidades do homem explorar a sua própria liberdade.
Por Guilherme Udo
Atualizado em 10 Abr 2012.