A certidão de nascimento do carioca Luiz Woerdenbag Filho, 53 anos, não revela a sua identidade e a paixão pela metrópole paulistana, para a qual se mudou há pouco mais de três anos. Com o apelido de Xurupito, o menino tímido e doente cresceu na sombra superprotetora da mãe e de uma família problemática, passando por diversos choques culturais na juventude.
Entrou na indústria musical nos anos 70, como baterista da banda de rock progressivo Vímana, passou pela Blitz e fez parte de uma geração que inventou um novo mercado sonoro brasileiro. O envolvimento com drogas e a prisão encerraram seu relacionamento com as gravadoras e transformam-no em músico independente. Para driblar o sistema, inovou ao vender seus discos diretamente nas bancas de jornal. Apesar de brigar junto com a classe pela lei de numeração de discos - que beneficiaria os artistas frente às gravadoras -, quando o projeto estava para sair, ele foi abandonado com a causa pelos seus colegas de profissão e viu a lei ir para o vinagre.
Em 2007, voltou a gravar em uma multinacional depois de 12 anos afastado, com o Acústico MTV em 2007. O trabalho ganhou o Grammy Latino de melhor álbum de rock, mas teve a pior vendagem da história da série. Três anos depois, lançou a autobiografia 50 anos a Mil, com a parceria do jornalista Cláudio Tognolli, que vendeu mais de 30 mil exemplares em menos de três meses e está agora na sua segunda impressão.
Aposentando de vez o formato acústico para dar força ao seu bom e velho estilo rock, Lobão faz seu retorno musical aos palcos iniciando a segunda fase da sua turnê Elétrico 2011. O repertório especial que revisita seu trabalho interrompido em 2005 inclui as faixas inéditas Song For Sampa e Das Tripas Coração, escritas exclusivamente para o livro. Confira o bate-papo em que ´Big Wolf´ fala sobre a expectativa para a nova turnê, o sucesso de sua biografia, a adaptação da obra para os cinemas e a crítica contra a falta de posicionamento dos artistas brasileiros.
Quais são os novos atrativos da turnê Elétrico 2011, você que até pouco tempo estava na Acústica MTV?
Lobão: O Acústico a gente terminou em 2009 e depois fizemos uma miniexcursão pelo nordeste iniciando essa parte elétrica, que terminou semana passada. Agora entramos na segunda fase, para agregar fatores eletrônicos, bases e mudar o repertório que estava muito rock. A grande diferença é climática mesmo. Com essa nova turnê, pretendo voltar em 2005, no álbum Canções Dentro da Noite Escura, que foi abortado e considero ser o meu melhor disco. Era uma ópera-rock e vou tentar fazer nesse show uma pequena mostra, principalmente no início. Será uma coisa inteiriça, com três ou quatro músicas ligadas umas nas outras, o que seria um show inteiro no Canções. Estou retomando uma linguagem estética, de como arranjei, conceituei e pensei essas músicas.
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Apesar de receber o Grammy Latino de melhor álbum de rock, o Acústico MTV teve a pior vendagem da série, com 23 mil unidades
Eu sei que, nas suas apresentações, você gosta de montar um repertório especial sempre baseado no seu trabalho novo. Mas tem alguma música que não pode faltar?
Lobão: Meu show é pautado no que eu quero mostrar para o público. As pessoas têm que parar de pensar que show é karaokê, para ficar pedindo músicas antigas. Você ensaia um show, monta um roteiro como se fosse um filme. Agora imagina para o diretor ver o público pedir pra cortar as cenas e ir direto para o assassinato? Vou pautar o show para as pessoas entenderem qual a minha onda atual, não tem nada de comemoração, não tem karaokê.
Ao contrário do que diversos artistas fazem...
Lobão: Eu não gosto disso e acho que o artista tem que desafiar o seu próprio trabalho, se não você está morto, é um tio velho perdurado em um cabide. Esse público nostálgico é o pior que tem, porque eles te colocam no caixão, no mausoléu do seu próprio passado. Se alguém quiser recordar, vai procurar um artista mais condescendente, pois eu sou muito seletivo. Penso assim: quem quiser vai; quem não quiser vai ver o show do Lulu Santos, que é pop e está a fim de adular a plateia. Não adianta vir pedindo Me Chama, Vida Bandida, porque elas não entrarão no setlist.
Falando um pouco do livro, ele se tornou um sucesso de vendas, e um dos fatores para isso foram os relatos ácidos que ele manteve em primeira pessoa. Como surgiu essa ideia?
Lobão: Estou para escrever esse livro desde 87 e esperei um momento que considerei emblemático, a minha mudança pra São Paulo. O livro serviu justamente para as pessoas verem que a história que contaram sobre a minha vida é diametralmente oposta a que vivi. Deu um total de 900 páginas, editado para umas 300; o resto foi o Cláudio Tognolli, que colheu os depoimentos e inseriu a parte do Lobão na mídia. Vou lançar o livro na íntegra para e-book e audio book, re-inserindo várias histórias interessantes.
Você disse que a mudança para São Paulo foi um marco na sua vida. O que São Paulo te trouxe que faltava no Rio?
Lobão: A primeira coisa é que São Paulo não oxida meus instrumentos. Ponto. A segunda é que sou sedentário e preciso de uma vida assim. São Paulo tem uma coisa de zonas residenciais que o próprio Rio não tem. São bairros super quietos, com silêncio absoluto e só passarinhos ao redor. Sou um cara que precisa disso, ter uma casa legal, porque trabalho nela. São Paulo pra mim é perfeito.
Quem vai ser o diretor do filme baseado em sua biografia? Já tem um ator em mente para interpretar o seu papel?
Lobão: Ia ser o Mauro Lima ( Meu Nome Não é Johnny, 2008), mas ele assumiu a co-produção do filme. Estamos procurando um roteirista e depois escolheremos o diretor e elenco. As filmagens estão programadas para 2012, com lançamento em 2013. Como o livro abrange toda a minha vida, serão uns três atores. Tem muita gente querendo fazer, mas não podemos adiantar muito, porque não tem nada fechado. Antes de opinar, gostaria primeiro de ver uma manifestação de algum ator que tenha apetite para poder entrar naquele personagem.
Você pretende interferir no roteiro e filmagens?
Lobão:Vou interferir, porque é um relato da minha vida. Quero muito sentar com os atores, mostrar os trejeitos dos personagens. Posso dar mais verossimilhança inclusive com as instalações, já que minha prima ainda mora naquele sítio grande que tem boliche citado no livro. Inclusive, a minha primeira bateria ainda está lá.
Hoje em dia a relação da grande imprensa com o seu trabalho mudou bastante. Você consegue enxergar os motivos?
Lobão: Mudou completamente. Agora eu sou um darling (risos). Essa sanha dos jornalistas de querer acabar comigo hoje em dia não funciona mais. Porque meus discos foram um trabalho bom, honesto, bem-feitos, de excelência e muito melhores do que todos os congêneres deles que tiveram por aí. Então fica mal para as pessoas. Sou um cara que exige o máximo e então pra me criticar tem que rebolar muito. Para você ter uma ideia, eu era um arqui-inimigo da MTV e depois trabalhei lá por quase quatro anos. As marcas são apenas as marcas.
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De menino tímido, careta e protegido pela mãe, você se transformou em um roqueiro com atitude que fala que pensa e não tem medo de ninguém. O que foi responsável por essa transformação?
Lobão: Sou um cara muito bem educado sempre fiquei atento às instruções dos meus pais no sentido de ser honesto, sincero e de emitir a opinião. Se você verificar a minha atitude, foi apenas isso. O problema é que a maioria das pessoas fica calada, não expõem muito, então eu fico como se fosse o maluco, quando na verdade sou o mais normal de todos. Falo o que vem a minha cabeça, faço questão de dar a minha opinião e isto marca como se fosse um cara polêmico, marketeiro. As pessoas é que são covardes, pusilânimes.
Você ficou conhecido pelas polêmicas que entrou, como nas desavenças que teve com Herbert Viana, Caetano e até emitindo sua opinião mais recentes da música brasileira, sobre os artistas novos como Fiuk, Restart e Luan Santana. Como pensa isso?
Lobão: Eu sempre emiti opinião de artistas novos, antigos, velhos ou caquéticos. Esse episódio é mais um, nem mais, nem menos. Já detonei tanta gente, com mérito, diga-se de passagem (risos). A situação é caótica, de uma agressão ao conhecimento, de semibarbárie no Brasil. Estamos em uma sociedade em os intelectuais e artistas vão formar e moldá-la através de suas obras e pensamentos. Agora, se você tem essa parte inoperante, como ela vai ser moldada? Sou um artista que lida com ideias, opiniões e expressão. As pessoas não podem pensar que o artista tem que ser burocrata, que vai pegar uma Lei Rouanet e não pode falar mal de fulano e tal. Essas coisas pegam muito mal e está na hora do Brasil acordar e ser mais maduro e se repensar.
Se rolasse um convite para tocar no Rock in Rio, você tocaria? (ele foi convidado para a segunda edição do evento, em 1991, e sua apresentação durou apenas uma música e meia, devido a problemas da organização, objetos atirados no palco e tumulto do público que ameaçava a segurança dos integrantes)
Lobão: Sou profissional e encararia com maior carinho. Agora, só se me derem para apresentar todo o sistema de som e iluminação no palco principal. Inclusive salvaria o Rock in Rio, que até agora de rock não tem porra nenhuma. Os roqueiros brasileiros fizeram questão de tocar de graça no palco dois e acha que vai se dar bem sendo o cocô do cavalo do bandido. O rock nos ensina a ter uma saudável arrogância, se não você não chega a lugar nenhum. Tem que se fazer respeitar senão o pessoal te tratoriza. É o que está acontecendo com o rock nacional, que é diplomático, com neguinho convidando dupla sertaneja para tocar na banda dele. Eu acho que o artista brasileiro no geral perdeu a honra. Eu olho para esses caras e penso que são uns vermes.
O que faltou para a sua carreira deslanchar no final dos anos 70 e começo dos 80?
Lobão: Eu cheguei a uma conclusão de que o rock dos anos 80 foi 'aceito' porque o pessoal das gravadoras interpretou a primeira fornada do rock brasileiro como uma coisa inofensiva, um novo Ieieiê, uma nova jovem guarda, com o Blitz, então neguinho achou uma babaquice inofensiva e investiu nisso. Mas a coisa tinha um outro conceito. Quando descobriram que o negócio era Polícia, Vida Bandida e Que País é Esse?, cortaram. Vejo isso como um espasmo, um lapso de atenção da indústria que deixou entrar um tipo de pessoas que não era tão inofensiva quanto eles pensavam. Mais isso foi resolvido muito rapidamente e, quando os anos 80 terminaram, já estavam todos para escanteio.
Você já superou a o episódio da sua vida com Herbert Viana (em que Lobão alegou que o líder do Paralamas copiava algumas de suas músicas e ideias). Como enxerga o ocorrido, muito tempo depois?
Lobão: Eu sou pontual, as coisas acontecem na minha vida eu resolvo aqui e agora. Se eu fiquei encucado com o problema do Herbert, foi porque ele me deu 'problemas' por 20 anos. Havia uma repetição de padrão e eu não fiquei remoendo uma coisa que aconteceu no começo da carreira dele, ele continuou a copiar isso até com a bateria da mangueira. Aquelas coincidências visivelmente me afetavam, e ele, mesmo que privadamente, nunca veio se justificar em relação a isso. O que me deixava cada vez mais exasperado e ser tratado como um débil mental e sentia que, no mínimo, a coisa era pertinente. Dava pra entender que as músicas Cena de Cinema parecia com Cinema Mudo, Me Chama tinha semelhanças com Me Liga... enfim, eram muitas coisas para ele simplesmente alegar que sou um drogado, alterado, que me adora, mas que era uma pena passar o tempo todo falando isso dele.
Em relação a sua briga com Caetano...
Lobão: Isso é uma coisa de geração. Eu vim para derrubar a geração da Tropicália. Agora o brasileiro acha que a história da música parou na Tropicália e na Bossa Nova e todos os artistas que aparecem não conseguem superar esse complexo de inferioridade. Não tenho isso, muito pelo contrário, acho que sou muito melhor. Não teve nenhuma outra viva alma no Brasil que tenha o colhão, apetite ou instinto assassino para bater de frente com esses caras e falar: Acabou, chega, perdeu!
Você realmente não consegue enxergar alguém com essa vontade?
Lobão: O único que tentou foi Renato Russo, isso aos 45 minutos do segundo tempo. Agora, se você conhecer outro, pelo amor de Deus me diga, que estou sentindo a maior carência de rolar uma briga, porque hoje eu só me enxergo, o resto é homenagens e mais homenagens.
Atualizado em 6 Set 2011.