Guia da Semana

Aconteceu há 15 anos. À primeira vista, nem parece tanto tempo, mas é nítido que muita coisa mudou: aqueles eram tempos de internet discada, dos primeiros celulares (até então, meros telefones), do bug do milênio. Sem Facebook, sem Vingadores, com Torres Gêmeas. Foi ali, no último ano da década e do século e do milênio, que nos fizeram pela primeira vez a fatídica pergunta: “O que é a Matrix?”.

Instigados por um trailer misterioso e, depois, pelo boca-a-boca e pelas notícias que começaram a pipocar, adolescentes em massa (e adultos, tomando coragem pouco-a-pouco) marcharam aos cinemas para conferir a novidade – um filme de orçamento médio (US$ 70 mi), de diretores pouco conhecidos (os irmãos Wachowski), que prometia mudar tudo. E mudou.

Uma década e meia depois, o cinema é outro e o “mundo real” também. Duvida? Veja 10 heranças que Matrix deixou para os anos 2000:

1. Geek é o novo pop

Com tantos filmes de super-heróis arrecadando as maiores bilheterias da história, mangás disponíveis à vontade nas bancas, livros de Philip K. Dick desenterrados das cinzas e estatuetas de personagens de quadrinhos decorando até tabacarias, fica difícil imaginar que já houve, não muito tempo atrás, um mundo onde os geeks eram alvo de piada (e não estou falando de uma certa sitcom com protagonistas PHDs).

Neo, o herói de Matrix interpretado (?) por Keanu Reeves, podia não ser fã de quadrinhos, mas era um nerd de carteirinha: trabalhava programando softwares e atuava como hacker, nas horas vagas – sem contar que guardava seu dinheiro num falso livro de Baudrillard. O conceito de geek, aliás, costumava se referir mais à paixão por tecnologia do que ao consumo de livros e quadrinhos, mas essa ideia foi se transformando ao longo da década seguinte, incorporando parte da cultura pop. Hoje, quem diria, é “legal” ser geek! Thanks, neo!

2. Preto é o novo... preto?

Repare bem: quantos dos “novos” heróis do cinema passaram a vestir couro preto desde Matrix? A turma de X-Men é a primeira que salta aos olhos, mas também podemos pensar na Viúva Negra de Scarlett Johansson, nos irmãos João e Maria: Caçadores de Bruxas, no caçador de vampiros Van Helsing ou na caçadora de lobisomens de Anjos da Noite. Já a hacker Lisbeth Salander da série Millenium já parecia uma versão feminina de Neo desde os livros de Stieg Larsson.

Nas ruas, nem é preciso dizer: coturnos e sobretudos viraram uma febre quase imediata.

3. A realidade não é o que você pensa que é

Ok, este não é um conceito novo. Já vinha sendo discutido desde o início do (outro) século por grandes autores. Mas o que Matrix fez foi trazer de volta à pauta – e agora num círculo muito menos restrito a intelectuais – a importância da dúvida e, portanto, da filosofia.

Trazendo Platão à conversa de bar, os Wachowski abriram espaço para que outros filmes entrassem no debate sobre “o que é real”: A Cela, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças, A Ilha, A Origem, Oblivion...

4. A teoria encontrou a ação

Não que Harrison Ford não tenha apanhado de androides em Blade Runner, nem que Bruce Willis não tenha suado a careca para salvar o futuro em Os 12 Macacos, mas ninguém lutou kung fu, manejou espingardas e tentou segurar um helicóptero sozinho como Neo.

Em Matrix, a ação é tão importante quanto a teoria (todas elas), e é por isso que o filme agradou tanto a quem procurava uma boa briga quanto a quem queria colocar alguns neurônios para funcionar. Minority Report e A Origem são exemplos bem sucedidos que combinaram conteúdo e técnica desde então, mas a mistura bem feita ainda é rara.

5. Bullet-time

Pode parecer banal, mas a cena em que Neo desvia de balas de revólver em câmera lenta fez história em termos de tecnologia audiovisual. O efeito, apelidado de “bullet-time” em homenagem à sequência, permitiu aos Wachowski e a diversos diretores depois deles explorar qualquer cena com o máximo de detalhamento, como se parassem no tempo.

A mesma técnica foi usada na cena mais cara já produzida para a televisão, um plano-sequência de dois minutos da 10ª temporada de CSI.

6. Novos tempos, novos anti-heróis

Entre os anos 90 e os 2000, muito graças a Matrix, os hackers tiveram seus status alterados de vilões para heróis – ou pelo menos anti-heróis, dependendo de suas intenções.

Além de Lisbeth, já mencionada aqui, hackers da vida real começaram a ser vistos como personagens em busca da verdade, como foram os jornalistas nas décadas anteriores (quando Clark Kent e Tin Tin eram os exemplos de justiceiros). Julian Assange, Edward Snowden, o grupo Anonymous... A lista só tende a crescer.

7. Uma experiência multimídia

Matrix não foi o único a experimentar com diferentes mídias e expandir seu universo para além do cinema ou da literatura, mas foi uma das primeiras e mais coerentes experiências multimídia. Antes do lançamento do primeiro filme, o trailer já anunciava a existência de um hotsite (whatisthematrix.com, hoje inativo) para atiçar a curiosidade do público. A ideia lembra outra campanha do mesmo ano, que também criou expectativa por meio da internet e ajudou a inflar as bilheterias: A Bruxa de Blair.

Matrix foi além, e lançou duas sequências, uma série de curtas animados (Animatrix) e uma linha de games para computador (Enter the Matrix, The Matrix Online e Path of Neo). Existe, ainda, uma pequena coleção de histórias em quadrinhos que complementam o universo Matrix, lançadas desde 1999 – incluindo um episódio escrito por Neil Gaiman.

8. Vida longa ao Kung fu

Filmes de artes marciais existem há muito tempo, mas, em geral, são falados em chinês, protagonizados por Jackie Chan ou restritos a audiências mais alternativas. Quando Matrix misturou o charme das coreografias de Yuen Woo-ping (que no ano seguinte lançaria O Tigre e o Dragão) com a brutalidade das armas de fogo, a arte oriental de repente caiu no gosto da massa ocidental.

Depois disso, Kill Bill, As Panteras e Sucker Punch, para citar alguns, abraçariam também as artes marciais de um jeito bem americano.

9. Esse tal filtro verde

Você já reparou que, quando os personagens estão na Matrix, tudo parece mais verde? O efeito é intencional e imita o tom das telas dos primeiros computadores – como aquela onde aparece a cascata de códigos no computador de Tank. Já no mundo “real”, os tons são mais acinzentados e sem vida, para mostrar a destruição.

A moda de “tingir” todo um filme (ou parte dele) com uma tonalidade pegou forte, e foi influenciar sucessos como Minority Report (azul), Filhos da Esperança (esverdeado) e O Cavaleiro das Trevas (azul acinzentado).

10. Março entrou para o calendário

De estreias, pelo menos. Até 1999, a regra de que “grandes estreias saíam no verão” era muito mais rígida do que é hoje, em que o ano inteiro pode ser lucrativo. Na época, o fato de Matrix estrear em março (nos EUA – chegando aqui em abril) significava que o estúdio não confiava tanto no filme e não queria desperdiçar suas melhores datas. O filme acabou tendo a 5ª maior bilheteria do ano no país.

Por Juliana Varella

Atualizado em 14 Abr 2014.