Tudo o que eu queria hoje era estar contando a vocês o quanto “A Bela e A Fera” me emocionou. Queria estar, neste momento, revivendo o arrepio que não senti, enxugando as lágrimas que não vieram, exaltando delicadezas e ousadias que jamais aconteceram. Ao invés disso, estou aqui para lhes dizer que o filme mais esperado do ano, o conto-de-fadas mais amado do momento, a realização dos sonhos dos fãs de Emma Watson, é apenas mais um belo, grandioso e satisfatório remake da Disney.
Não me interpretem mal – é um lindo filme. Algumas cenas, como o número musical de abertura, são um espetáculo para rever em câmera lenta. Mas, para uma produção 26 anos mais moderna e sete vezes mais cara do que a animação que a inspirou (o clássico de 1991, não tanto o conto do século XVIII), “A Bela e A Fera” está longe de conseguir competir com aquela.
É claro, são naturezas diferentes: uma animação romântica; uma aventura fantástica em CGI. Mas a sensação é a de que a Disney está, mais uma vez, segurando o freio em obras que deveriam estar decolando. Sim, os números musicais são ótimos – mas se parecem demais com produções da Broadway. Sim, os objetos falantes estão bem feitos e devem ter custado horrores – mas seus movimentos, cujo exagero funciona bem numa animação, aqui parecem ligeiramente falsos (ou assustadores) ao lado de Bela. (Um problema compensado, é preciso dizer, pelas atuações brilhantes do elenco de dublagem, que inclui Ian McKellen, Ewan McGregor e Emma Thompson.) A questão é que, ao invés de arriscar novas linguagens para resolver esses problemas, a Disney prefere jogar seguro e, consequentemente, não impressiona.
Ok, mas e as inovações no conteúdo? Sim, Bela agora é uma inventora – mas o único momento em que isso é sugerido é quando ela adapta um barril e um cavalo para usá-los como lava-roupas, ainda no vilarejo. No castelo, essa criatividade desaparece e nunca mais ouvimos falar dela. Além disso, agora temos um personagem quase abertamente gay (na verdade, são dois), mas o fato de isso ser revolucionário é simplesmente deprimente.
Talvez o que falte aqui seja a sutileza. Se o roteiro tinha a intenção de se mostrar feminista, por exemplo, não era preciso incluir diálogos inteiros explicando como Bela seria rejeitada caso não tivesse pai ou marido; ou como seus conterrâneos têm “mente pequena” por viverem numa “cidade pequena”... Tudo isso já estava claro, sem que precisássemos soletrar. O mesmo vale para as novas canções, que introduzem trechos da história que ainda não haviam sido contados – como o passado da Fera e a infância de Bela. Estes poderiam ser interessantíssimos, mas, óbvios demais, acabam não acrescentando muito aos personagens ou à história.
Quem merece destaque (e arrisco dizer, é a melhor surpresa do filme) é Dan Stevens no papel de Fera. Pessoalmente, sempre achei que as versões em live action deste conto pecavam na representação do monstro, mas, aqui, finalmente vi o personagem ganhar vida, mesmo sob todos aqueles pelos virtuais. A Fera de Stevens (“Downton Abbey” e “Legion”) é sarcástica, tem o mesmo lado infantil que a da animação, expressa seus sentimentos com mais frequência e até protagoniza um número musical sozinho (certo, talvez este não seja seu melhor momento).
O mais importante, porém, é que ele lê tanto quanto (ou até mais que) Bela. Os dois, desta vez, não apenas se apaixonam por viverem no mesmo espaço, mas trocam experiências, leem juntos e viajam juntos para outros mundos e lugares. Bela finalmente encontrou seu par.
Quem também se encaixa perfeitamente em seus papéis são Luke Evans e Josh Gad, que, respectivamente, interpretam Gaston e seu capacho LeFou. As cenas dos dois são provavelmente as mais naturais e divertidas de todo o filme – mas é uma pena que Gaston tenha um desfecho tão insosso.
“A Bela e A Fera” integra todo um projeto da Walt Disney de transformar seus clássicos animados em filmes com atores, alguns dos quais vão ganhar sequências e spin-offs. A proposta tem dado certo, desde que “Malévola” arrecadou 750 milhões de dólares em 2014, “Cinderela” chegou a meio bilhão em 2015 e “Mogli – O Menino Lobo” arranhou a marca de 1 bilhão em 2016. Dos quatro, este talvez seja o mais bem acabado e não há dúvida de que superará todos os outros nas bilheterias. Resta saber se os próximos terão um pouco mais de coragem para realmente emocionarem, como nos velhos tempos.
Por Juliana Varella
Atualizado em 24 Mar 2017.