Mel Gibson está de volta, e em grande forma. Dez anos depois de “Apocalypto” e mais de vinte depois de “Coração Valente”, chega aos cinemas em janeiro seu novo trabalho na direção, o drama de guerra “Até O Último Homem”. Baseado numa história real, o filme acompanha a trajetória de um soldado americano que, durante a Segunda Guerra Mundial, se alista sob a condição de jamais tocar numa arma.
O protagonista, Desmond Doss, é uma peça rara: interpretado com simpatia, teimosia e um leve toque de ingenuidade por Andrew Garfield (indicado ao Globo de Ouro e ao SAG Awards pelo papel), Doss é ao mesmo tempo um católico fervoroso e um patriota fiel – duas coisas difíceis de conciliar em momentos como aquele. Determinado, ele decide aceitar o desafio de ir ao campo de batalha, mas não para matar: para salvar seus colegas. Literalmente.
O filme, com duas horas e vinte, leva algum tempo para esquentar. Conhecemos primeiro os irmãos Doss – dois garotos cuja brincadeira favorita é brigar (não muito diferentes daqueles adultos que veremos mais tarde nas trincheiras), mas que um dia descobrem que podem se machucar de verdade. Vemos, também, o pai dos meninos, interpretado sublimemente por Hugo Weaving, que é um veterano da Primeira Guerra. Sobrevivente de corpo, porém eternamente infectado na alma, ele se torna um alcoólatra violento, que lamenta todos os dias a morte de seus colegas até descobrir, com desgosto, que seus dois filhos seguirão o mesmo caminho.
O longa ainda se demora um pouco na construção de Desmond às vésperas do alistamento, quando ele conhece uma enfermeira e se apaixona, simultaneamente, por ela e pela medicina. Vemos, também, seu conflito com o próprio exército, que não consegue compreender sua recusa de pegar em armas e responde com violência, pois é a única linguagem que esses homens parecem conhecer. Curiosamente, é durante o treinamento brutal e opressor (à lá "Nascido Para Matar") que o filme dá seus últimos respiros cômicos antes de mergulhar na verdadeira pilha de corpos.
Quando o pelotão chega à “cordilheira Racksaw” (que dá o nome original ao filme), começa o espetáculo. A partir daí, são pelo menos 40 minutos de tiros, explosões, jovens desnorteados correndo de um lado para o outro, desespero, dor, fumaça e um garoto franzino pulando no meio das bombas para resgatar seus colegas a qualquer custo, carregando-os nas costas, arrastando-os sobre macas improvisadas, enfaixando seus ferimentos e escondendo-os dos soldados japoneses. É aí que entendemos a visão de Doss, torcemos por ele, nos arrepiamos por ele e prendemos a respiração com ele. Essa é uma das melhores sequências de guerra que você verá na sua vida.
Como um legítimo “Gibson”, “Até O Último Homem” tem uma dose alta de religiosidade, mas os menos fiéis podem ficar tranquilos: o filme não força sua crença sobre o espectador. A fé é algo próprio do protagonista, e inclusive é contestada por outros personagens, que eventualmente passam a respeitá-lo mesmo que não concordem com ele. É esse respeito e essa solidariedade que o filme propõe para o público, e é difícil não se contagiar. No fim, é como se Gibson quisesse mostrar seu desprezo pela violência e pela guerra, mas sem julgar aqueles que participaram dela. Se o confronto é inevitável, o que pode um pacifista fazer?
“Até O Último Homem” estreia nos cinemas no dia 26 de janeiro.
Por Juliana Varella
Atualizado em 26 Jan 2017.