Quando o diretor britânico Stephen Daldry anunciou que filmaria seu próximo longa no Brasil, em 2013, a reação instintiva de muitos brasileiros foi desconfiar: afinal, o que esse gringo sabe sobre o nosso país? Pois agora que “Trash – A Esperança Vem do Lixo” se prepara para encerrar o Festival do Rio e estrear em todo o país, já podemos respirar aliviados: ele sabe o bastante.
Um dos segredos de “Trash” é que suas questões não dialogam apenas com a realidade brasileira, apesar de se encaixarem especialmente bem neste momento e neste lugar. O filme, baseado no livro de Andy Mulligan, acompanha as aventuras de três pré-adolescentes que vivem num lixão do Rio de Janeiro e encontram uma carteira, que esconde códigos para a grande fortuna de um político corrupto.
A corrupção é apenas um dos temas abordados por Daldry, que também explora a violência policial, a situação carcerária, o preconceito racial, o lixo e a troca de favores entre políticos e instituições (dando nomes minimamente alterados aos bois, como “ABF” no lugar de “CBF” e “Templo Universal” no lugar de “Igreja Universal”).
É fácil deduzir que o cineasta aprendeu tudo isso com outros filmes: “Tropa de Elite” e “Cidade de Deus” transpiram em cada sequência de “Trash”. Mas há uma atualidade no longa que não soa forçada e que sugere que Daldry fez sua lição-de-casa – incluindo participar de uma manifestação de rua e tomar um banho de gás de pimenta em meio aos protestos de junho.
Mostrando respeito pelo cenário escolhido, o artista escalou atores brasileiros para quase todos os papéis, inclusive para os três protagonistas Rafael (Rickson Tevez), Rato (Gabriel Weinstein) e Gardo (Eduardo Luís). Os garotos não são profissionais e foram escolhidos com a ajuda da produtora brasileira O2, a mesma de “Cidade de Deus”. De estrangeiros, o filme traz apenas dois personagens secundários: uma professora de inglês (Rooney Mara) e um padre (Martin Sheen).
Wagner Moura, cujo rosto estampa o pôster, aparece pouco, mas logo compreendemos sua escolha: marcado por personagens que buscaram a justiça a qualquer custo (mesmo que por meios errados), Moura representa um fio de esperança num país sem lei. Daldry aproveita essa ideia e o fato de o ator ser conhecido fora do Brasil, mas não se apoia nele para fazer o filme funcionar – pelo contrário, sua presença é apenas uma inspiração para os três heróis mirins.
Quem ganha destaque é Selton Mello, no papel do policial truculento Frederico. Outros nomes conhecidos do público também aparecem, mesmo que por breves instantes: Jesuíta Barbosa, André Ramiro, Nelson Xavier e Gisele Fróes são alguns deles.
O diretor, indicado a três Oscars por “Billy Elliot”, “As Horas” e “O Leitor”, arrisca-se pela primeira vez numa história de aventura, misturando a esperteza infantil de um Tom Sawyer ou de um Harry Potter ao cinema de denúncia tipicamente brasileiro. O resultado é uma mistura interessante de fantasia e realidade, entretenimento e reflexão - maniqueísta como pede Hollywood, mas sem afetação. “Trash”, que estreia nacionalmente no dia 9 de outubro, deve agradar a crianças e adultos, brasileiros ou estrangeiros, sem preconceitos.
Assista se você:
- Gosta de filmes com crianças aventureiras (que dão um drible nos adultos)
- Está curioso para ver como ficou o trabalho de um diretor britânico com atores brasileiros
- Gosta de filmes que denunciam a corrupção política e a violência policial
Não assista se você:
- Não gosta de filmes em que os protagonistas são crianças
- Está cansado de filmes-denúncia
- Não gosta da ideia de ver um cineasta estrangeiro filmando no Brasil
Por Juliana Varella
Atualizado em 10 Out 2014.