O diferencial, neste caso, é o extremo realismo que Gibson colocou no filme. Os personagens falam latim e aramaico - tirando aquela sensação estranha de ver Jesus falando inglês, ou português. O Cristo interpretado por Jim Caviezel, ainda no meio dos suplícios aos quais é submetido, está irreconhecível, ao contrário dos Cristos mais açucarados que vieram antes dele. A violência é brutal e chocante, mas não gratuita: na visão de Gibson, influenciado pela doutrina católica, cada pecado, por menor que seja, é como uma chicotada, uma cusparada, um espinho da coroa ou uma martelada nos cravos que uniram o corpo de Cristo à cruz. No entanto, a mensagem do filme não é de ódio: prestes a morrer, Jesus pede ao Pai que perdoe os seus algozes; intercaladas às cenas da paixão vemos partes da Última Ceia, e do Sermão da Montanha (onde Jesus diz "amai vossos inimigos"), além do episódio em que Maria Madalena (Monica Bellucci) quase é apedrejada. A relação entre Jesus e sua mãe também é muito explorada, de modo comovente.
A fotografia de Caleb Deschanel se inspirou nos quadros do renascentista Caravaggio, e nas cenas em local fechado percebe-se a influência do pintor italiano, que joga com a luz penetrando na escuridão. A iconografia cristã também influenciou na própria representação da crucifixão: embora na realidade os condenados carregassem apenas a trave horizontal da cruz, amarrada nos braços (como os dois ladrões no filme), e os pregos atravessassem os pulsos, e não a palma das mãos, Gibson preferiu uma abordagem clássica, com Cristo pregado pelas mãos e levando a cruz inteira às costas. Mas o maior motivo de discussão em relação ao filme é seu suposto anti-semitismo (leia nossa matéria especial para saber mais). É muito improvável que A Paixão de Cristo provoque alguma conversão na platéia, mas, para quem já é cristão, o filme será uma experiência e tanto. (Resenha por Marcio Antonio Campos)
A Paixão de Cristo
Diretor: Mel Gibson
País de origem: EUA
Ano de produção: 2004
Classificação: 14 anos