Construir um espetáculo usando como pano de fundo grandes clássicos da literatura mundial não é tarefa fácil e, por vezes, pode resultar em um erro catastrófico. Em se tratando de Shakespeare, mais ainda. Não é o caso da bem-sucedida adaptação do dramaturgo norte-americano Joe Calarco para o clássico de Romeu e Julieta, intitulado R&J-Shakespeare. O espetáculo, em cartaz no Sesc-Copacabana, no Rio de Janeiro, encontrou sua voz e o tom certo através da hábil direção de João Fonseca. Em cena está o poder da literatura sobre a imaginação e o efeito libertador que ele pode exercer no indivíduo. No elenco, estão Pablo Sanábio, Rodrigo Pandolfo, Felipe Lima e João Gabriel Vasconcellos.
O espetáculo tem como ponto de partida um internato católico masculino onde quatro jovens vivem em regime de repressão, e que se envolvem em uma leitura clandestina de uma cópia de Romeu e Julieta. Pelo fato de ser um texto proibido, o mesmo tem o poder de despertar as emoções nos jovens de uniformes e comportamento padronizados.
A grande beleza da montagem está no jogo cênico estabelecido entre eles. À medida que avançam na dramatização do texto, as próprias emoções assumem o controle e eles começam a explorar os sentimentos e sua sexualidade.
A concepção e a direção de João Fonseca são afinadas e impecáveis. Destroem as paredes e coloca público e atores em cena, construindo um espetáculo cheio de nuances, permitindo que o espectador embarque no jogo proposto. A direção de movimento de Rafaela Amado é interessante e contribui com acerto para a concepção.
A cenografia, idealizada pro Nello Marrese, é brilhante. O palco, em formato circular, nos remete ao elemento base da transformação que se opera, aquele espaço infinito onde é possível se libertar. Ao redor, é possível observar todos os elementos que oprimem e padronizam o indivíduo: carteiras, lousas, réguas, esquadros. Tudo se transforma diante do público, tudo é utilizado em favor da imaginação. Os esquadros se transformam em máscaras, as réguas em espadas, os prendedores de papel em brincos, os papéis em muros.
O figurino elaborado por Ruy Cortez, que nos lembra muito os uniformes de colégios católicos ingleses, é bem pensado e está de acordo com a proposta. Assim como os próprios adereços de cena, o figurino se converte em peça importante na dramatização dos quatro jovens.
O quarteto de atores se sai bem em cena, com grande destaque para Pablo Sanábio e Rodrigo Pandolfo nos papéis de ama e Julieta, respectivamente. Eles comprovam que são atores de grandes recursos, e que sabem utilizar a criação para construções que transitam sutilmente entre o drama e a comédia.
A iluminação criada por Luiz Paulo Nenen é imaginativa e bem contextualizada na montagem. A luz contribui para a construção da imaginação e tem papel importante na dramatização de Romeu e Julieta. Por fim, a trilha sonora elaborada por André Aquino e João Bittencourt é atual e acertada.
R&J de Shakespeare - Juventude Interrompida é um texto primoroso para ser sorvido aos poucos, sem pressa e com total liberdade. Um texto que está aí para nos lembrar que, mesmo em ambientes opressores, o homem ainda consegue ser livre dentro de si, dentro da sua própria imaginação. Um espetáculo imperdível.
Leia as colunas anteriores de Alexandre Pontara:
Pterodátilos
O dono de 2010
Poesia teatral
Quem é o colunista: Alexandre Pontara.
O que faz: Paulista, radicado no Rio, Alexandre Pontara é ator, escritor e produtor cultural. É diretor da Primus Cia de Teatro.
Pecado gastronômico: Bolo Negro e Tiramissú da Doceria Chaika .
Melhor lugar do Brasil: Paraty.
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Atualizado em 6 Set 2011.