2010 foi um ano de qualidade no que se refere à produção teatral no Rio de Janeiro. Tivemos autores consagrados ao lado de novos nomes em textos impecáveis e de grande relevância e contribuição à cultura de nosso país. Bons espetáculos iniciaram sua trajetória e o público pode ter contato com montagens como Rebú, O Matador de Santas, Calígula, Hair, Deus da Carnificina e tantos outros trabalhos de qualidade, mas o mais genial de todos foi, sem dúvida, Pterodátilos, do dramaturgo americano Nicky Silver.
O espetáculo, atualmente, em cartaz no Teatro das Artes, tem direção de Felipe Hirsch. O elenco conta com Marco Nanini, Mariana Lima, Felipe Abib e Álamo Facó. Embora o título possa nos apresentar certa estranheza, sem dar maiores dicas do que se trata a trama, Pterodátilos é uma pérola dramatúrgica dos anos 90. Em cena, vemos a desagregação da família, em uma crítica severa a sociedade americana e a extinção da espécie.
O texto de Nicky Silver é brilhante, recheado de situações cotidianas que beiram ao caos e mostram, cena a cena, os limites das relações estabelecidas entre os personagens que os levam a sua total destruição. Com diálogos inteligentes e carregados de humor negro, Pterodátilos é um espetáculo que põe em xeque nossas próprias relações e como lidamos com o estilo de vida atual.
A direção assinada por Felipe Hirsch é correta e trabalha o absurdo do texto sem se render ao caos iminente, fazendo com que se mantenha o equilíbrio para a plena compreensão do espetáculo. Uma direção com leitura cênica acertada e perfeita.
Os quatro atores em cena apresentam um excelente desempenho, e é possível perceber a perfeita sintonia entre eles. Marco Nanini está ótimo no papel da filha cujo nome a mãe mal consegue se lembrar, e garante os melhores momentos do espetáculo. Mariana Lima no papel da mãe alienada, bêbada e egoísta, constrói uma das grandes performances da temporada de 2010. Felipe Abib no papel de Tom, namorado da filha transformado em empregado, e Álamo Facó, o filho que volta para casa ao se descobrir soropositivo, estão muito bem em cena. Um grupo coeso com interpretações à altura do emblemático texto de Nicky Silver.
A cenografia de Daniela Thomas é inteligente e econômica, contribuindo para o entendimento da desintegração desta família. A retirada do piso, aos poucos, pelo filho soropositivo, nos remete ao sentido de escavar os ossos da própria família, trazer à tona os esqueletos trancados no armário que toda família, por mais perfeita que seja, possui.
A iluminação de Beto Gruel e a trilha sonora de Nervoso contribuem com inteligência cênica para a proposta idealizada por Felipe Hirsch. Por fim, o figurino de Antônio Guedes, bem acertado, está de acordo com a montagem. Pterodátilos é o tipo de espetáculo que merece ser visitado pelo público mais de uma vez, tal o nível de qualidade presente nesta montagem. Um espetáculo de grandes interpretações, texto fascinante e excelente direção.
Leia as colunas anteriores de Alexandre Pontara:
O dono de 2010
Poesia teatral
Quando a vida é ficção
Quem é o colunista: Alexandre Pontara.
O que faz: Paulista, radicado no Rio, Alexandre Pontara é ator, escritor e produtor cultural. É diretor da Primus Cia de Teatro.
Pecado gastronômico: Bolo Negro e Tiramissú da Doceria Chaika .
Melhor lugar do Brasil: Paraty.
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Atualizado em 16 Set 2011.