Thiago Lacerda e Claudio Fontana em cena de Calígula
"Investigar a fragilidade do homem sentado no trono". É esta a proposta do texto escrito por Albert Camus segundo o ator Thiago Lacerda, que protagoniza a montagem de Calígula sob a direção de Gabriel Villela. Depois de passar por mais de dez capitais brasileiras, a produção volta a São Paulo para comemorar o grande número de espectadores, já que quase 40 mil pessoas assistiram ao espetáculo em quatro meses de temporada.
No palco, Lacerda encarna o extravagante e cruel Calígula, em uma tragédia de inteligência que aborda questões atemporais, como felicidade, liberdade e poder. A montagem faz uma reflexão sobre a existência humana e sobre aqueles que chegam aos seus extremos. Em entrevista ao Guia da Semana, o ator conta mais sobre a importância do personagem para a sua carreira e discorre sobre a proposta artística do espetáculo.
Guia da Semana: Depois de passar por dez capitais brasileiras, quais transformações aconteceram em relação ao seu personagem? Houve um amadurecimento na interpretação ou algumas coisas se perderam ao longo do processo?
Thiago Lacerda: De um modo geral, a peça toda amadureceu muito. Tivemos uma parada longa e uma temporada no Rio de Janeiro que foi muito reveladora, porque foi de quarta a domingo. A maior transformação é que a repetição dá milhões de possibilidades de perceber a personagem e de estabelecer uma relação com o público.
Guia da Semana: Quais referências você buscou para criar o seu Calígula?
Lacerda: Pesquisei uma vasta bibliografia histórica, passando pela obra do Camus e pelo movimento existencialista francês. Também busquei referências cinematográficas, como Herzog. Foi basicamente um mergulho intelectual nas ideias do Camus, além do exercício diário de ensaio. É na carpintaria do dia a dia que investigamos uma ideia e a construção da personagem.
Foto: João Caldas/ Divulgação
Lacerda e Magali Biff, que vive Cesônia, uma amante de Calígula
Guia da Semana: Como é o preparo físico para encarar a exigência cênica desse papel?
Lacerda: O condicionamento físico foi conquistado ao longo do processo de ensaios. Com as idas e vindas do espetáculo, paramos muito, e sinto bastante em cena. A peça exige muito fisicamente. A própria montagem faz a manutenção do físico. Mas, em dias de apresentação, procuro me preservar para estar bem no palco.
Guia da Semana: Como a montagem rompe com os preconceitos que rodeiam o personagem Calígula?
Lacerda: O simples fato de a peça existir já é um trabalho a respeito da questão do preconceito. Toda vez que é pronunciado o nome Calígula as pessoas têm uma ideia, ou não. Mas o fato é que quem alguma ideia, geralmente, tem uma visão distorcida do que é a peça de teatro. Imediatamente, relacionam com a figura histórica ou com o filme. Pouquíssimas vezes vão para o texto teatral. O que dizemos é que não é pornografia. É um belo texto, um tratado de inteligência que precisa ser encenado. É um texto importante para a nossa época. A montagem iniciou a jornada sem nenhum patrocínio, ou seja, existiu um movimento para que ela não acontecesse. Mas lutamos contra tudo isso. A peça estreou, foi um grande sucesso e existe até hoje. Isso é uma vitória da arte contra o preconceito.
Guia da Semana: Como o personagem Calígula dialoga com a contemporaneidade? Como ele se adapta à nossa época?
Lacerda: Calígula trata de temas atemporais, da natureza humana. A proposta do autor é investigar a fragilidade do homem sentado no trono. A complexidade, a fraqueza, a suscetibilidade patológica do ser humano que detém o poder. Todos nós, de um modo geral, somos um pouco Calígula, na medida em que ao longo na vida somos capazes de exercer poderes, pequenos ou grandes. E é aí que nos encontramos com Camus. Isso não tem data. Falamos para o público do século 21 como ele falava na década de 1950. Levamos uma provocação muito intimista, pois propomos que o público se enxergue naquela figura esquizofrênica, arrogante e extravagante.
Foto: Klaus Dutra/ Divulgação
Lacerda e Magali em cena da montagem de Gabriel Villela
Guia da Semana: O que o personagem Calígula representa para a sua carreira?
Lacerda: É uma celebração para mim. Tenho com esse espetáculo possibilidade de apresentar caminhos do meu trabalho que eu não havia mostrado antes. Desde o início, a peça foi um quarto escuro, um lugar de investigação. E o resultado disso tem sido muito positivo para a minha carreira. As pessoas têm visto um ator que nem sempre está disponível para o grande público, como é o caso de alguém que faz televisão. Um ator comprometido com o texto, com a palavra e com a profundidade da peça. É o prazer de dizer um belo texto. Calígula é um prazer enquanto texto, inteligência e encenação.
Guia da Semana: Como está sendo trabalhar com o diretor Gabriel Vilela?
Lacerda: Ele é maravilhoso. O convite dele foi o principal motivo para eu aceitar fazer essa peça. Eu fiquei muito lisonjeado em ter sido convidado. Quando li o texto, vi o quanto era especial. Tem sido um prazer enorme conviver com ele. Fiz um amigo. É uma pessoa em quem confio e com quem me identifico na maneira de ver as coisas.
Guia da Semana: Como surgiu a ideia de levar a peça para Portugal?
Lacerda: Tenho uma relação muito estreita com Portugal. Gosto muito do país, já estive muitas vezes lá e sempre fui muito bem recebido. Muitas coisas que faço na TV brasileira chegam lá. Também já estive em cartaz por lá e foi uma experiência fantástica. Desde o início, pensei em levar Calígula para lá. O que acontece é que isso ainda não é certo. É só uma vontade grande. Mas tenho certeza que a peça se sairia muito bem.
Guia da Semana: Quais são os próximos passos da sua carreira? Teatro, TV ou cinema?
Lacerda: Agora estou só com Calígula. Já tenho um filme e uma segunda peça preparada para o ano que vem, mas nada ainda definido. Talvez eu faça TV no ano que vem também.
Confira a resenha da peça Calígula
Saiba mais sobre a trajetória do ator Thiago Lacerda
Atualizado em 6 Set 2011.