A comunicação é impossível no novo filme de Xavier Dolan. “É Apenas O Fim Do Mundo”, que chega aos cinemas na próxima quinta-feira, dia 24, é o sexto longa-metragem do diretor-prodígio canadense e, assim como seu filme anterior, o explosivo “Mommy”, é um verdadeiro (e necessário) soco no estômago.
“É Apenas O Fim Do Mundo” conta a história de um escritor de 34 anos, bem sucedido e gay (duas características que virão rancorosamente à tona mais tarde), que decide voltar à sua cidade-natal para visitar a família, que não vê há 12 anos. O motivo? Avisá-los de que ele vai morrer.
O filme não explica se Louis, o protagonista interpretado Gaspard Ulliel, pretende se matar ou se está sofrendo de alguma doença fatal, mas isso – por incrível que pareça – é irrelevante. O fato é que este é um filme sobre despedidas e sobre o tempo, que passa generosamente enquanto as pessoas lamentam o passado ou criam expectativas para um futuro que nunca chegará.
Não demora para entendermos os motivos pelos quais Louis poderia querer tirar a própria vida. Talvez ele tenha compreendido que, apesar da fama, é invisível num mundo de egos e aparências. Quando chega à casa da mãe, por exemplo, seus parentes (a mãe, a irmã, o irmão e a cunhada) o esperam com ansiedade, mas, ao invés de perguntarem sobre sua viagem ou acolhê-lo na sala de estar, ficam parados no hall discutindo uns com os outros sobre como deveriam se comportar. Louis não tem a chance de dizer uma palavra.
O estranhamento é uma sensação constante nos filmes de Dolan e, frequentemente, é provocado por uma mistura de linguagem de câmera expressiva e direção intensa de atores. No caso, o filme passa do choque inicial da revelação das intenções do personagem para uma sequência de imagens simbólicas de amor e amizade vistas pela janela de um táxi. Então, quando finalmente chegamos à cena do hall, Dolan troca sua trilha sonora pop por uma mais dramática, fecha a câmera radicalmente no rosto de cada personagem e faz com que os atores se interrompam uns aos outros criando uma tensão crescente. É como se ele dissesse que, naquele hall, não haveria espaço para duas pessoas coexistirem de verdade. O efeito é asfixiante.
Talvez a melhor expressão para descrever o que acontece a partir daí é “aflitivo”. O filme é aflitivo. Não que qualquer um dos personagens de fato faça ou diga algo muito chocante, mas a forma como eles interagem ao longo de uma única tarde, projetando no visitante todas as suas frustrações enquanto proíbem que ele se expresse, e como isso tudo dialoga com a informação (que apenas o público tem) de que Louis morrerá em breve, é de partir o coração.
Esta é a primeira vez que Dolan tem à disposição um elenco “de elite” (seu próximo filme, “The Death and Life of John F. Donovan”, será ainda mais carregado de figurões), o que, para alguns diretores, costuma ser sinônimo de menos controle e menos qualidade. Não para ele: Vincent Cassell, Marion Cotillard e Léa Seydoux entregam, todos, lados até então inexplorados no cinema comercial e contribuem com extrema devoção à construção desse drama. Quem domina a situação, porém, é a menos conhecida por aqui Nathalie Baye, que já trabalhara com o diretor em “Laurence Anyways” e que interpreta a mãe. Ulliel também faz sua parte e expressa, quase exclusivamente com o rosto em closes fechadíssimos, toda a angústia de seu personagem.
“É Apenas O Fim Do Mundo” não é um filme fácil e muitos espectadores podem se incomodar com o ritmo. Diferente de “Mommy”, ele não funciona em picos de adrenalina, mas adota uma frequência mais ou menos constante de tensão durante todo o filme, encerrando numa nota melancólica. Para quem não se incomodar com isso, entretanto, a recompensa é grande: provocação, reflexão e um arrepio gelado na espinha pela certeza de que a realidade não está tão distante da ficção.
Por Juliana Varella
Atualizado em 25 Nov 2016.