Guia da Semana

Levante a mão quem nunca foi a um restaurante uma única vez na vida e, antes de escolher o prato, virou para o garçom com a singela pergunta: "Dá pra dois?" Alguns não o fazem por medo ou preconceito. Outros, simplesmente, porque não se preocupam com isso, não importando se o prato é caro ou a fome é grande.

O fato em si poderia passar por algo trivial, como um prato de arroz com feijão. Mas nem sempre isso acontece. Às vezes, algumas pessoas se sentem constrangidas em fazer tal pergunta. Se o restaurante for sofisticado, então, nem se fala. É como se os outros à volta olhassem para você como um intruso hostil num pacífico hábitat.

O fato é que essa não é uma questão de pão-durismo, uma atitude mesquinha ou algo do tipo. Quando vamos a um restaurante, existem dois bons motivos que podem fazer qualquer um recorrer à questão: pouca fome ou pouco dinheiro. E ninguém tem nada a ver com isso, exceto os comensais em questão.

Ao sair para um jantar a dois, a coisa é ainda pior. Já tive namoradas que se contentavam somente com o couvert. Na hora que chegavam os pratos, duas garfadas eram suficientes para saciar o apetite das moças. Até o garçom, eventualmente, questionava se o prato não estava satisfatório.


A primeira vez que eu e uma namorada devoramos uma pizza inteira, pensei: essa deve ser a mulher da minha vida. Não que estivéssemos famintos. Mas a massa, fininha, facilitou a tarefa. E, confesso, me deu certo prazer não ter de virar para o garçom e pedir para embrulhar uma mísera fatia. Geralmente, ela causava uma pequena discussão no dia seguinte, quando ambos queriam saborear aquela deliciosa pizza amanhecida.

Obviamente, existem casos em que a pergunta não tem nenhum sentido, como nos restaurantes franceses que praticam a Nouvelle Cuisine, onde muitas vezes as porções são tão belas quanto pequenas. Nas tradicionais cantinas italianas ocorre o oposto. Se por acaso você não chegar a um acordo com alguém na escolha de um prato que possa ser dividido, corre o risco de se sentir uma rotunda porpeta na hora que chegar a conta.

Existem também aqueles glutões que não se rendem às porções generosas. Trabalhei com um amigo que era assim. Quando íamos a uma cantina, ele pedia um prato só para ele. E o traçava por completo. Era corajoso o rapaz. E ainda completava a refeição com meio litro de Fanta Uva. Animador, não? Eu nem imagino como ele conseguia desenvolver qualquer coisa que demandasse um mínimo esforço depois do almoço.

Um outro amigo era diferente. Esse era pão-duro mesmo. Às vezes, no fim de noite, saíamos de algum lugar em busca de uma lanchonete para matar a fome na madrugada. Sentavam-se todos nas banquetas e cada um fazia seu pedido. Ele ficava na dele, o máximo que pedia era um refrigerante. Mas ai de quem oferecesse a ele um teco do sanduíche. Sempre vinha a fatídica pergunta: "Por que, você não quer mais?"


Não há uma regra clara para a divisão dos pratos. Alguns restaurantes permitem a divisão sem problemas. Se o cliente pedir, essa divisão às vezes é feita até na cozinha, o que é mais simpático que fazê-la à mesa. Outros chegam a cobrar um adicional para dividir um prato. Esse valor varia e, a menos que a fome seja realmente pequena, não vale a pena, em virtude do maior preço cobrado.

Existem também aqueles que não permitem de forma alguma que seus pratos sejam compartilhados. E não podemos crucificar essas casas. As justificativas para a não divisão são várias, da quantidade de funcionários aos ingredientes utilizados. Isso sem contar os impostos. E é compreensível que muitas casas pensem nos valores cobrados de forma que essa divisão acabe causando prejuízo.

Na dúvida, porém, não custa perguntar. Minha mãe tem essa mania. Se bobear, acho que ela faz a pergunta até em sorveteria. Dia desses fomos a um simpático restaurante para um almoço de domingo. Mal chegamos, o atencioso garçom trouxe o cardápio. Minha mãe, mais que depressa, perguntou: "Os pratos são individuais?" "Sim, senhora" foi a resposta.

Quando o rapaz se afastou, comentei com ela que era óbvio que não eram divisíveis. Escolhemos um prato cada um. Ela preferiu um peixe, optei por uma pasta. E vieram as saborosas entradas. Eram tão variadas que eu mesmo já estava me dando por satisfeito. E chegaram os pratos. Vistosos, apetitosos e... grandes!

Na mesma hora, minha mãe me lançou um olhar irônico e falou: "Não pense que vou encarar isso tudo. Você não disse que era individual? Vai ter de comer, não vai pedir para embrulhar." Não tive muita saída. Depois de finalizar minha massa, avancei no prato que a mama havia deixado quase metade. Não nego que o peixe estava delicioso. Mas saí do restaurante me sentindo um baiacu. E meu domingo acabou por aí.




Quem é o colunista: Marco Esteves, sempre o personagem de alguma crônica gourmet.

O que faz: É jornalista e redator publicitário.
Pecado gastronômico: quem nunca cometeu nenhum, que atire a primeira jaca.

Melhor lugar do Brasil: Depois que visitar todos, eu decido.

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Atualizado em 7 Ago 2012.