Foto: Arthur Santa Cruz |
Esses dias, no final da tarde, em um momento de descontração no escritório, uma amiga colocou um CD do Djavan para ouvirmos. E, quando vi, me flagrei dançando na cadeira a música Farinha, aquele xotezinho em que ele diz que farinha boa é a que a mãe lhe manda lá de Alagoas. Percebi que nunca tinha prestado atenção nesta letra tão divertida. Até o nome científico da farinha o compositor dá. Fiquei feliz também porque ao (re) descobrir esta música maravilhosa, acho que o Djavan recuperou um pouco da sua reputação comigo, em baixa desde que ele lançou os CDs Ao Vivo I e II, que tocou até ninguém dizer chega, mas isso é uma outra história, que não vem ao caso aqui...
O fato é que a música não me saiu da cabeça e, ao chegar em casa, resolvi ouvi-la novamente, observando palavra por palavra. O começo é super divertido; é neste momento que ele dá o nome científico, dizendo que a farinha é feita de uma planta da família das euforbiáceas, de nome manihot utlíssima, que um tio apelidou de macaxeira e foi aí que todo mundo achou melhor! Depois ele comenta a popularidade da farinha, dizendo que ela está no sangue do nordestino e que até um cabra que não tem eira nem beira, lá no fundo do quintal, tem um pé de macaxeira. Em seguida, fala sobre a diversidade da macaxeira, que tem da grossa, da fina e da quebradinha; e das infinitas maneiras de consumi-la, como no pirão, mingau, farinha com feijão ou farinhada. E termina com uma lembrança afetiva, revelando que farinha boa é a que a mãe lhe manda lá de Alagoas, remetendo um pouco às suas origens e memórias da infância no nordeste.
Realmente a farinha está no sangue do nordestino e na raiz dos brasileiros, de norte a sul. A mandioca e seus derivados estão presentes tanto no churrasco quanto na feijoada, dois dos pratos mais emblemáticos da nossa gastronomia. Também são ingredientes para a tapioca, o pato no tucupi, a mandioca frita dos botequins por aí afora., o biscoito de polvilho, o pão de queijo, as papinhas e bolos de macaxeira. É o pão do brasileiro, o produto mais brasileiro que existe.
Como essa, existem várias outras músicas que têm a comida como tema, e eu sempre gostei de observá-las. Quem não se lembra das clássicas canções como a Vatapá, de Dorival Caymmi, em que ele descreve o tabuleiro da baiana com seus carurus e mungunzás; Torresmo à Milanesa, de Adoniran Barbosa, em que os pedreiros comentam o que suas marmitas traziam aquele dia; Feijoada Completa, em que o Chico dizia que estava chegando com um batalhão e pedia à mulher para por mais água no feijão, ou Brasil Pandeiro, de Assis Valente, em que o autor conta que depois de conhecer o molho da baiana, o Tio Sam vai entrar nos cuzcuz, acarajés e abarás? São, em sua maioria, letras singelas que contam, de maneira autentica, um pouco mais da culinária brasileira e da vida de seus compositores. Esta aqui, do Djavan, é ao mesmo tempo simples e pura como um forró de Luiz Gonzaga, mas faz nada menos que um retrato do Brasil através da farinha de mandioca.
Quem é a colunista: Patrícia Moll Novaes
O que faz: Jornalista e assessora de imprensa de gastronomia
Pecado gastronômico: Qualquer prato com queijo ralado
Melhor lugar do Brasil: Rio e Recife pela vida cultural, Trancoso pela tranqüilidade e Jericocoara pela beleza.
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Atualizado em 7 Ago 2012.