As iguarias eram recebidas com entusiasmo. Imaginava amigos e familiares aguardando minha chegada em vigília ansiosa, mais ou menos se fosse a passagem do cometa Harley.
Me questionava como os portugueses não enjoavam de comer batata cozida com os mesmos peixes ou carne de porco todo dia. Sim, eles têm o indescritível - e caríssimo - queijo da serra, seus chouriços, doces à base de ovos, Porto e bagaceira. Ainda assim, achava pouca variedade. Contava a eles sobre as nossas pizzas, os diversos tipos de massas, pães, lanches, legumes, frutas, cereais, doces e quitutes de toda a ordem que existem no Brasil. Olhavam-me atentos como se contasse estórias fantásticas de Saci-Pererê. Imagine o leitor qual seria o espanto se adicionasse à lista pratos árabes, japoneses, chineses e mexicanos hoje populares por aqui.
Aos 18 anos, descobri que mesmo ingleses abastados comem batata quase todo dia - às vezes até no café da manhã. É verdade que a batata inglesa é mesmo a melhor. E que o chá das 5 é demais. Mas nunca pude contar a um trabalhador que sua para por mistura na mesa, que os súditos da rainha passam bem sem mistura. E sem salada. Sem frutas. Sem variação.
Na juventude, sofri ao telefone com um amigo que se mudara para o Japão e não agüentava mais comer miojo, arroz, peixe e legumes. É bom, "mas todo dia cansa", queixava-se.
Recentemente, li que Buenos Aires aspirou ao título de capital mundial da gastronomia (em que órgão se pleiteia isso?), mas o pleito foi recusado, mantendo-se São Paulo com o posto honroso. Há duas semanas, estive na capital argentina e, confesso, quis ver o que a panela portenha tem a oferecer. Comi bem, mas entendi porque o pedido foi rejeitado.
Os ingredientes eras bons; a comida bem preparada. O problema é que era sempre igual: basicamente croissant, torradas, alfajor e carne com batata frita, purê de batata ou purê de abóbora, massa ou pizza.
Imaginei que todos os cardápios da cidade eram impressos por um único fornecedor, velho e ranzinza, que se recusava a fazer alterações, por isso os menus eram parecidos. Estou exagerando, claro. Buenos Aires vive a chegada das cozinhas tai e japonesa (finalmente!), revive a boa e velha culinária francesa e respira um burburinho de gastronomia molecular, no vácuo da revolução que acontece na Espanha. A variedade de massas surpreende. Mas é isso.
Se comer bife de chorizo, bacalhau ou baket potato em São Paulo é moleza, difícil é comer feijoada fora do Brasil. Além da questão da disponibilidade e do sortimento, tem a da quantidade. Quem leva um estrangeiro em um rodízio tem a oportunidade de conferir olhos estupefatos.
Se em diversos aspectos a riqueza da nossa terra e da nossa diversidade é negligenciada, na cozinha, encontra o espaço necessário para ser acolhida, preservada e celebrada. A despeito de fatos históricos opressores, o longo dos séculos, nossa cozinha seguiu protegida em sua singularidade, permitindo a miscigenação democrática de uma enorme variedade de aromas e sabores - o que faz da culinária brasileira um dos mais ricos produtos culturais do mundo. Como se não fosse o bastante, São Paulo ainda ocupa posição privilegiada na conexão com todas as culinárias e tendências internacionais.
Teimosa, guardo a sete chaves a imagem idílica de que comer na Itália é qualquer coisa de divino. Mas todo mundo volta de lá dizendo que aqui ainda é melhor.
Quem é o colunista: Rosa Fonseca, comunicóloga e cozinheira.
O que faz: Compõe a cozinha do Félix Bistrot, restaurante francês. Paralelamente, também é redatora e consultora de comunicação.
Pecado gastronômico: Chocolate.
Melhor lugar do Brasil: Florianópolis.
Fale com ela: [email protected].
Atualizado em 7 Ago 2012.